Por Jayro Schmidt
Nas
pesquisas que faço sobre mentes geracionais, não sei aonde anotei que os velhos
têm algum interesse pela vida porque conservam, como distração, as manias.
Manias
todos têm, o que é humano, ou melhor dizendo, somos humanos porque temos
manias. Os velhos têm a principal, que é a leitura de seus livros para trás
como se fossem crianças, que vivem no mundo às avessas. São felizes por isso,
porém se não receiam o estar encadernados entre duas capas, e olhando suas
vidas em espelhos que refletem as imagens do passado no presente que escapa
rapidamente e aumenta a certeza de que a leitura para trás não vai se
completar.
Pouco
importa o finito, assim como não importa às crianças que aprendem a ter futuro
sem querer deixar de ser o que são. Nem todos aprendem isso, e, pensando bem,
pouco se aprende depois que se nasce. Tempo haveria para tanto, mas o tempo é
pouco para desaprender a finitude, a formidável ilusão, inútil em muitos
sentidos. A ilusão pode ser útil, pelo menos quando é semelhante aos raios que
uma lâmpada acesa emite como se fossem barbas de gato.
Ao
repetir esse comentário em voz alta, o meu estimado gato montês pareceu querer
me dizer que barbas de felinos podem aparecer em lâmpadas apagadas. Com um
gato, como se sabe, não se discute em nenhuma circunstância. Isso aprendi em
ensaios escritos por Marcel de Montaigne, que tem costumes gatográficos e vive
numa torre interligada à sua residência, estratégia para ter um pouco de
solidão e se esquivar dos transtornos domésticos.
Ao
que parece, essa é a mania de Jean de Montaigne, viver num lugar secreto que se
alcança por um corredor subterrâneo, se bem que isso ele não necessita porque
não é incomodado pela mulher, que sabe que um longo casamento precisa de duas
torres, uma que existe e outra que se imagina.
Os
detalhes no interior de uma torre são os de todas as torres, mas a de Michel de
Montaigne é a do estudo de uma lâmpada que emite raios mesmo apagada, o que
lembra meu irmão mais velho, o único que tenho e que durante as férias, depois
de passear pela cidade visitando redações de jornais, comprando livros,
gravatas e camisas, voltava radiante para casa que, naquele tempo, as lâmpadas
eram apagadas cedo, pois cedo era o dia seguinte e todos tinham que ir para a
cama.
Apesar
de não saber o significado de seu nome, Ivan, ele sempre me lembra o nome de
quem se acomoda na cama, acende uma vela para ler até tarde da noite. Na época
eu ainda não sabia ler, mas agora, lendo meu livro para trás, sei que lia
barbas de gato nas chamas ao ver sua imagem semelhante à de um anjo sob a luz
fraca da vela.
Qualquer
dia escreverei um conto sobre essa vela acesa, que sempre está acesa na mente
de crianças, jovens e velhos que sabem que ler exige apenas um lugar sossegado.
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