sexta-feira, 8 de novembro de 2013

NÃO SEI AONDE

Por Jayro Schmidt
 


Nas pesquisas que faço sobre mentes geracionais, não sei aonde anotei que os velhos têm algum interesse pela vida porque conservam, como distração, as manias.
Manias todos têm, o que é humano, ou melhor dizendo, somos humanos porque temos manias. Os velhos têm a principal, que é a leitura de seus livros para trás como se fossem crianças, que vivem no mundo às avessas. São felizes por isso, porém se não receiam o estar encadernados entre duas capas, e olhando suas vidas em espelhos que refletem as imagens do passado no presente que escapa rapidamente e aumenta a certeza de que a leitura para trás não vai se completar.
Pouco importa o finito, assim como não importa às crianças que aprendem a ter futuro sem querer deixar de ser o que são. Nem todos aprendem isso, e, pensando bem, pouco se aprende depois que se nasce. Tempo haveria para tanto, mas o tempo é pouco para desaprender a finitude, a formidável ilusão, inútil em muitos sentidos. A ilusão pode ser útil, pelo menos quando é semelhante aos raios que uma lâmpada acesa emite como se fossem barbas de gato.
Ao repetir esse comentário em voz alta, o meu estimado gato montês pareceu querer me dizer que barbas de felinos podem aparecer em lâmpadas apagadas. Com um gato, como se sabe, não se discute em nenhuma circunstância. Isso aprendi em ensaios escritos por Marcel de Montaigne, que tem costumes gatográficos e vive numa torre interligada à sua residência, estratégia para ter um pouco de solidão e se esquivar dos transtornos domésticos.
Ao que parece, essa é a mania de Jean de Montaigne, viver num lugar secreto que se alcança por um corredor subterrâneo, se bem que isso ele não necessita porque não é incomodado pela mulher, que sabe que um longo casamento precisa de duas torres, uma que existe e outra que se imagina.
Os detalhes no interior de uma torre são os de todas as torres, mas a de Michel de Montaigne é a do estudo de uma lâmpada que emite raios mesmo apagada, o que lembra meu irmão mais velho, o único que tenho e que durante as férias, depois de passear pela cidade visitando redações de jornais, comprando livros, gravatas e camisas, voltava radiante para casa que, naquele tempo, as lâmpadas eram apagadas cedo, pois cedo era o dia seguinte e todos tinham que ir para a cama.
Apesar de não saber o significado de seu nome, Ivan, ele sempre me lembra o nome de quem se acomoda na cama, acende uma vela para ler até tarde da noite. Na época eu ainda não sabia ler, mas agora, lendo meu livro para trás, sei que lia barbas de gato nas chamas ao ver sua imagem semelhante à de um anjo sob a luz fraca da vela.
Qualquer dia escreverei um conto sobre essa vela acesa, que sempre está acesa na mente de crianças, jovens e velhos que sabem que ler exige apenas um lugar sossegado.


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