Por Jayro Schmidt
Livro. Do latim liber, libri. Manuscrito encadernado, costurado e
encapado, posteriormente impresso com a invenção da tipografia.
Desde
os escritores latinos da Idade Média, com recorrências ao passado grego-romano,
são conhecidos os conceitos de livro com metáforas: livro do coração, do
espírito, da memória, da razão e da experiência.
Dante
reuniu e deu novas formas a estas figuras que estão associadas à escrita e seus
instrumentos. O livro, para ele, ainda significava summa, isto é, transmissão do conhecimento tradicional através do
estudo, da leitura. Ele conhecia de memória, tutta quanta, a Eneida.
Virgílio, como se lê na Comédia,
mestre e autor, recomendando a sua obra como lezione, lição. A espiritualidade cultural somente poderia ser
alcançada com lungo studio, longo
estudo, de geração a geração.
Sicut aegrotus desiderat sanitaten, item
desiderat scriptor finem libri: assim
como o doente deseja a saúde, o escriba aguarda o fim do livro.
Árdua
era a tarefa do copista: preparação diária do material, concentração e
paciência. Intoleráveis eram os erros de escrita, então chamados de
“espinheiros”.
Cálamo
e pena: calamus e pinna. Pena, símbolo do Verbo Divino,
unidade na dualidade com o corte na pena.
Os
romanos escreviam com pontas de ferro e de osso sobre tábuas enceradas. Deve-se
a concisão dos romanos, em parte, a esta prática. O rigor da letra e o rigor do
dito.
Comparou-se
o escrever com o arar, arare. Lavrar,
abrir sulcos. Nos sulcos da memória os sulcos do escrito.
Feridas
de mártires, Prudêncio: escritas púrpuras. Corpos escritos, corpos-capitulares.
Capitular: letra maior, em cor ou ornada e que inicia o texto.
Os
livros, na Idade Média, foram escritos em vermelho: nitidez e ornamento. Os
títulos e os capítulos, com o vermelho de óxido de chumbo, foram chamados de rubrica. O copista era o rubricater.
Alain
de Lille comparou o rosto humano com um livro. A morte com tinta por Pedro Riga
em um necrológio.
Vogelkleid: vestido de pássaro, para Burdach “enigmática
descrição da pena de escrever”. A pena quando rombuda era temperada, afinada: pennam temperare.
Os
apetrechos de escrever e a folha em branco Dante chamou de carta, livro. Escrever significava vergare, pautar.
Curtius:
“Quanto mais sobe Dante em sua viagem pelas esferas, mais se amplia seu olhar.
Do céu das estrelas fixas contempla os planetas e, lá em baixo, a terra. Tudo o
que é telúrico e sublunar contrai-se numa parte insignificante do universo,
reduz-se a um caderno do livro do cosmo”.
Plotino
diz que o cosmos é um livro e as estrelas, letras: “quem conhece tal alfabeto
lê o futuro segundo as figuras que elas formam”.
As
metáforas do livro e da escrita em Shakespeare são numerosas desde as primeiras
peças, além de encenar a própria escrita e a leitura como se constata em Tito Andrônico. Sua filha Lavínia foi
violentada por monstros que cortaram sua língua e dedos. Mesmo assim, amante da
literatura, ela consegue manusear o livro Metamorfoses,
de Ovídio, e encontra o episódio de Tereu, que violentou sua cunhada Filomela,
em seguida cortando-lhe a língua.
Tito Andrônico: diante dos juízes de seus filhos, o protagonista
“escreve” sua angústia “no pó”.
Romeu e Julieta: “Lê no livro do rosto de Páris e descobre o encanto
escrito com a pena da gentileza. Repara na harmonia de cada uma das feições e
vê como cada uma realça a outra, e se algo obscuro encontras nesse belo livro
acharás a explicação nas margens de seus olhos. A esse precioso livro de amor,
a esse amante não encardenado, para completar-lhe a beleza só falta a
cobertura”.
Trabalhos de amor perdidos: “Tal é a doutrina que extraio dos olhos das mulheres
que cintilam sempre como o fogo de Prometeu. Elas são os livros, as artes, as
academias que ensinam, contêm e nutrem o Universo inteiro”.
Otelo: “Esta página tão branca, este livro tão belo, foram feitos para que
nele se escrevesse a palavra prostituta?”
Ricardo II: “Lerei o necessário, quando contemplar o verdadeiro
livro em que estão escritos meus pecados, quer dizer, eu mesmo. Dá-me esse
espelho, pois nele pretendo ler o livro de meu rosto”.
Os dois fidalgos de Verona: “Aconselha-me, Luceta! Ajuda-me, gentil pequena! E
visto como és um livro de memória em que se acham impressos meus pensamentos em
caracteres indeléveis, suplico-te...”
Noite de reis: “Já te abri o livro secreto até de minha alma”.
Macbeth: “Teu rosto, meu barão, é um livro em que os homens
podem ler estranhas coisas”.
A tempestade: Próspero renuncia a seus poderes mágicos e diz:
“afogarei o meu livro”. E o despenseiro bêbado Estefânio chama a garrafa de
“livro”.