sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Passeio com o livro

Por Jayro Schmidt


Livro. Do latim liber, libri. Manuscrito encadernado, costurado e encapado, posteriormente impresso com a invenção da tipografia.

Desde os escritores latinos da Idade Média, com recorrências ao passado grego-romano, são conhecidos os conceitos de livro com metáforas: livro do coração, do espírito, da memória, da razão e da experiência.

Dante reuniu e deu novas formas a estas figuras que estão associadas à escrita e seus instrumentos. O livro, para ele, ainda significava summa, isto é, transmissão do conhecimento tradicional através do estudo, da leitura. Ele conhecia de memória, tutta quanta, a Eneida. Virgílio, como se lê na Comédia, mestre e autor, recomendando a sua obra como lezione, lição. A espiritualidade cultural somente poderia ser alcançada com lungo studio, longo estudo, de geração a geração.

Sicut aegrotus desiderat sanitaten, item desiderat scriptor finem libri: assim como o doente deseja a saúde, o escriba aguarda o fim do livro.

Árdua era a tarefa do copista: preparação diária do material, concentração e paciência. Intoleráveis eram os erros de escrita, então chamados de “espinheiros”.

Cálamo e pena: calamus e pinna. Pena, símbolo do Verbo Divino, unidade na dualidade com o corte na pena.

Os romanos escreviam com pontas de ferro e de osso sobre tábuas enceradas. Deve-se a concisão dos romanos, em parte, a esta prática. O rigor da letra e o rigor do dito.

Comparou-se o escrever com o arar, arare. Lavrar, abrir sulcos. Nos sulcos da memória os sulcos do escrito.

Feridas de mártires, Prudêncio: escritas púrpuras. Corpos escritos, corpos-capitulares. Capitular: letra maior, em cor ou ornada e que inicia o texto.

Os livros, na Idade Média, foram escritos em vermelho: nitidez e ornamento. Os títulos e os capítulos, com o vermelho de óxido de chumbo, foram chamados de rubrica. O copista era o rubricater.

Alain de Lille comparou o rosto humano com um livro. A morte com tinta por Pedro Riga em um necrológio.

Vogelkleid: vestido de pássaro, para Burdach “enigmática descrição da pena de escrever”. A pena quando rombuda era temperada, afinada: pennam temperare.

Os apetrechos de escrever e a folha em branco Dante chamou de carta, livro. Escrever significava vergare, pautar.

Curtius: “Quanto mais sobe Dante em sua viagem pelas esferas, mais se amplia seu olhar. Do céu das estrelas fixas contempla os planetas e, lá em baixo, a terra. Tudo o que é telúrico e sublunar contrai-se numa parte insignificante do universo, reduz-se a um caderno do livro do cosmo”.

Plotino diz que o cosmos é um livro e as estrelas, letras: “quem conhece tal alfabeto lê o futuro segundo as figuras que elas formam”.

As metáforas do livro e da escrita em Shakespeare são numerosas desde as primeiras peças, além de encenar a própria escrita e a leitura como se constata em Tito Andrônico. Sua filha Lavínia foi violentada por monstros que cortaram sua língua e dedos. Mesmo assim, amante da literatura, ela consegue manusear o livro Metamorfoses, de Ovídio, e encontra o episódio de Tereu, que violentou sua cunhada Filomela, em seguida cortando-lhe a língua.

Tito Andrônico: diante dos juízes de seus filhos, o protagonista “escreve” sua angústia “no pó”.

Romeu e Julieta: “Lê no livro do rosto de Páris e descobre o encanto escrito com a pena da gentileza. Repara na harmonia de cada uma das feições e vê como cada uma realça a outra, e se algo obscuro encontras nesse belo livro acharás a explicação nas margens de seus olhos. A esse precioso livro de amor, a esse amante não encardenado, para completar-lhe a beleza só falta a cobertura”.

Trabalhos de amor perdidos: “Tal é a doutrina que extraio dos olhos das mulheres que cintilam sempre como o fogo de Prometeu. Elas são os livros, as artes, as academias que ensinam, contêm e nutrem o Universo inteiro”.

Otelo: “Esta página tão branca, este livro tão belo, foram feitos para que nele se escrevesse a palavra prostituta?”

Ricardo II: “Lerei o necessário, quando contemplar o verdadeiro livro em que estão escritos meus pecados, quer dizer, eu mesmo. Dá-me esse espelho, pois nele pretendo ler o livro de meu rosto”.

Os dois fidalgos de Verona: “Aconselha-me, Luceta! Ajuda-me, gentil pequena! E visto como és um livro de memória em que se acham impressos meus pensamentos em caracteres indeléveis, suplico-te...”

Noite de reis: “Já te abri o livro secreto até de minha alma”.

Macbeth: “Teu rosto, meu barão, é um livro em que os homens podem ler estranhas coisas”.

A tempestade: Próspero renuncia a seus poderes mágicos e diz: “afogarei o meu livro”. E o despenseiro bêbado Estefânio chama a garrafa de “livro”.


Um comentário:

Daniel Ballester disse...

http://www.youtube.com/watch?v=Zy3x5VcUQ50