terça-feira, 12 de março de 2013

A Confissão de Cavaal Butor

Poema de Fernando Karl e Ilustração de Jayro Schmidt


A palavra foi criada por guerreiros e caçadores
e é muito anterior à ciência:
a palavra pesada abafa o pensamento leve.

Em nenhum lugar perguntam por Cavaal Butor, que
– sendo o chacal da infâmia – vocifera que é privilégio dos vivos
escutar chuva nas calhas e a música de câmara:
ver o azul de Matisse e a noite vasta:
tocar a pele do pão e a nudez da banhista em Cassis:
cheirar os clamores da concha e o delírio azul marinho:
sentir na língua o sal e o açúcar.

Cavaal Butor confessa: eu sempre quis, antes de morrer,
ser o aroma do rum na garrafa translúcida,
ser um porto, uma sombra, uma moringa d'água,
ser a tranquila contemplação do objeto natural.

Não quero perdão:
tudo o que eu quero é não ser banquete para larvas,
tudo o que quero é que lavas catequizem larvas,
tudo o que eu quero é, mesmo com asa quebrada,
escapar da cova rasa,
tudo o que eu quero é saber que ardil devo usar
para imaginar o novo corpo
onde se esboça a lucilação diversa e outra música.


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