segunda-feira, 6 de maio de 2013

Poeta Ferreiro

João Cabral de Melo Neto


fotografia de Gill Konell



O ferrageiro de Carmona


Um ferrageiro de Carmona
que me informava de um balcão:
“Aquilo é de ferro fundido,
foi a fôrma que fez, não mão.

Só trabalho em ferro forjado
que é quando se trabalha ferro;
então, corpo a corpo com ele,
domo-o, dobro-o, até onde quero.

O ferro fundido é sem luta,
é só derramá-lo na fôrma.
Não há nele quebra-de-braço
e o cara-a-cara de uma forja.

Existe grande diferença
do ferro forjado ao fundido;
é uma distância tão enorme
que não se pode medir a gritos.

Conhece a Giralda em Sevilha?
Decerto subiu lá em cima.
Reparou nas flores de ferro
dos quatro jarros das esquinas?

Pois aquilo é ferro forjado.
Flores criadas numa outra língua.
Nada têm das flores de fôrma
moldadas pelas das campinas.

Dou-lhe aqui humilde receita
ao senhor que dizem ser poeta:
o ferro não deve fundir-se
nem deve a voz ser diarréia.

Forjar: domar o ferro à força,
não até uma flor já sabida,
mas ao que pode até ser a flor
se flor parece a quem o diga”.



Leandro Serpa. Técnica: fine-art. (Ano: 2011)



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