segunda-feira, 24 de junho de 2013

CLEBER, POETA E EDITOR

Por Jayro Schmidt




O poeta, editor e tipógrafo Cleber Teixeira nos deixa aos 70 anos e uma obra sem alardes como poeta, e, como editor, à frente da Editora Noa Noa, livros feitos à mão com cuidado gráfico, sempre visando o aspecto visual do livro numa intermediação entre a tradição tipográfica e linguagens contemporâneas. Desde que conheci Cleber, tive a oportunidade de compartilhar a sua amizade, além de ter realizado com ele algumas edições, inclusive fazendo ilustrações para os seus poemas, tudo em gravura, pela qual era apaixonado. Nesta edição, um dos poemas que mais me toca diz sobre a gaivota que voa rente ao mar, e um mar especial para ele, o de Sambaqui. Cleber, caro amigo: a gaivota continuará voando rente ao teu mar.






RASTROS

Pinturas de Lia Krucken







Quando a pintura prescinde da figura, são gestos sensíveis que deixam as marcas do que se estava sentindo, pensando e imaginando como nestas pinturas de Lia que se vale de materiais mínimos, com os quais liberta, na superfície e na profundidade, seus vestígios. (J. S.)


sábado, 22 de junho de 2013

ATÉTREVA!

Por Vinícius Alves

o naza, nesse pequeno texto, diz tudo o que eu queria dizer
sobre os comentários que se fizeram sobre joyce (et caterva).

sem mais

vinícius alves


O que se passa com o falar e o escrever é propriamente uma coisa maluca; o verdadeiro diálogo é um mero jogo de palavras. Só é de admirar o ridículo erro: que as pessoas julguem falar em intenção das coisas. Exatamente o específico da linguagem, que ela se aflige apenas consigo mesma, ninguém sabe. Por isso ela é um mistério tão prodigioso e fecundo – de que quando alguém fala apenas por falar pronuncia exatamente as verdades mais esplêndidas, mais originais. Mas se quiser falar algo determinado, a linguagem caprichosa o faz dizer o que há de mais ridículo e arrevesado. Daí nasce também o ódio que tanta gente séria tem contra a linguagem. Notam sua petulância, mas não notam que o desprezível tagarelar é o lado infinitamente sério da linguagem.

Nazareno Eduardo Almeida | Insignuações | bernúncia editora

quarta-feira, 19 de junho de 2013

NA MOSCA

Comentário de Fábio Brüggemann


Escritor e editor


o problema não é do joyce, afinal, as línguas têm uma sintaxe, àqueles que têm intimidade com elas, que fazem de tudo para serem sentidas e compreendidas. o problema é quando separamos o sentir do pensar, como disse eduardo galeano. ler joyce, ou qualquer boa literatura, é uma experiência mais sensitiva do que a necessidade urgente de compreensão. para compreender não é preciso de literatura, aí temos a filosofia, os discursos políticos, a matemática. o problema não é a suposta incomunicabilidade de joyce, mas a falta de formação contumaz da maioria das pessoas educadas apenas pela televisão e o cinema norte-americano, que não nos dão nada aparentemente nos dando tudo.
o problema, portanto, não está no uso criativo da língua, porque, afinal, não existe significante sem significado. basta usarmos os sentidos, porque é sentindo que atingimos a razão, e o que nos leva a compreender de um outro modo: sentindo.


terça-feira, 18 de junho de 2013

RESPOSTA A RENATO

Por Jayro Schmidt




Caro Renato.

No passado, mais de vinte anos atrás, minha experiência com Joyce foi relativamente bem-sucedida. Li Os dublinenses e Retrato do artista quando jovem. Quanto a Ulysses, a leitura ficou extraviada, se bem que li de uma tacada só o monólogo final de Marion, a Molly-Penélope-Bloom.
Fiquei fascinado, pois, afinal, naquela época lia Kafka (também fascinado), encontrando em Joyce o oposto de um mesmo teor – o escritor entre o humano e o linguístico, entre o dizer e o não dizer.
Esta é a fonte que não seca e que está antes ou depois da literatura em todos os tempos. Alguns escritores não se afastam do humano – e para tanto precisam de um mínimo vocabulário como é o caso de Kafka – e outros que também não se afastam, porém com um vocabulário experimental – como é o caso de Joyce.
O curioso é que ambos os escritores viveram numa mesma época e em contextos muito parecidos, em uma palavra, desfavoráveis em termos de linguagem. E assim escreveram sobre um mundo que morre porque outro nascia. Tanto Joseph K. como Stephen Dedalus são movidos pelo próprio cansaço – isso para empregar o teu termo atribuído a Fernando Pessoa e Alejandra Pizarnik.
O mais curioso ainda (Alejandra Pizarnik se parece com uma personagem kafkiana e com a pintora mexicana) é que Joseph K. e Stephen Dedalus tiram suas forças místicas descomunais do cansaço, com paixão e intuição do que poderão vir a ser, embora seus autores recusem os heroísmos típicos da literatura. Eles, os personagens, na realidade pouco se cansam nos momentos em que se descortinam nas crianças e nos loucos – que vivem nas orlas e nas auras.
Enfim, o que quis dizer mesmo? Tantos possíveis que sem os avanços do linguajar corre-se o risco de virar, como disse Leminski, Ferreira Gullar.
É isso então, e o meu abraço,

Jayro.

DANÇAS DO LESTE E MAIS ALÉM (CONVITE)

Divulgação

Convite da Escola de Danças do Oriente Yasmin Meera: Acontecerá no sábado (22 de junho), o espetáculo "Danças do Leste e mais Além". Clique para ler o convite.




"Mais do que um trabalho artístico. É um registro da história das artes no Oriente. Mostra pinturas e relatos dos primeiros viajantes que passaram por lá a partir do ano de 1164. Mostra imagens em preto e branco de filmes antigos e vai além ao apresentar coreografias ao vivo e em cores inspiradas na expressão peculiar das bailarinas que consolidaram o Estilo Raqs Al Sharq – a Dança do Leste – a dança do ventre tal como a conhecemos hoje.
É uma homenagem ao legado de tantas bailarinas e sua arte de beleza e resistência pacífica para manter a sabedoria ancestral feminina." (Yasmin Meera)


segunda-feira, 17 de junho de 2013

CARTA DE RENATO

Carta para Jayro Schmidt




Caro Jayro:
Nunca li Joyce, comecei o Ulisses, mas não consegui continuar. Em compensação, li Jayro Schmidt! Por exemplo, os versos:

Tudo abandono
menos o mar

Cioran foi contratado para escrever um texto sobre Paul Valéry, escreveu, e o texto foi recusado, porque Cioran foi se dando conta de que Valéry tinha a superstição da linguagem, uma desculpa para roda em volta do núcleo da coisa sem chegar à coisa. Medo? Daí, saiu um texto ferino, contra o grande poeta, e não o publicaram (a não ser depois, no livro Exercícios de admiração, de Cioran).
Os escritores com medo da coisa buscam, à exaustão, a armadilha de outras estratégias: a extensão (Proust), a “invenção” (Joyce, os concretistas), a universalização inesgotável de tudo (Rosa), etc. Já eu me (des)contento com a pobreza de uma Alejandra Pizarnik: “Em mim, a linguagem é sempre um pretexto para o silêncio. É minha maneira de expressar minha fadiga inexprimível”.
Sim, o cansaço, íssimo, de Fernando Pessoa. Estou cansado de tudo, menos de rabiscar esse cansaço na brancura do acaso.
Meu grande abraço,

Renato.

sábado, 15 de junho de 2013

O DEDALUS-TELÊMACO NO ULYSSES

Por Jayro Schmidt



Nos primeiros ensaios que escreveu, Virginia Woolf declara sua admiração por Dostoievski, que expressou “o tumulto mental”, segundo ela o seu “material”, assim como dela e ausente, pelo menos, em quem a criticou numa resenha de O quarto de Jacob, o romancista inglês Arnold Bennett, na qual disse: “A fundação da boa ficção é a criação do personagem, nada mais”.
Woolf não contestou essa evidência, porém a maneira com que Bennett tentou construir o personagem, com “aparências externas”, faltando a ele o essencial, “o caráter”, as luzes e as sombras da mente do personagem. O importante para Woolf foi, segundo suas palavras, “compreender o seu caráter, mergulhar em sua atmosfera”.
A observação de Woolf pode servir para alguns escritores ingleses anteriores a ela e de seu tempo, não para os irlandeses, sobretudo James Joyce.
Como se sabe, Ulysses, ao ser publicado em 1922, foi atacado de todos os lados, além de ter sido proibido em vários países. E Bennett, de plantão obtuso como sempre, criticou Joyce apesar de ter ficado impressionado com o monólogo de Molly Bloom e a sequência em Nightown: qualquer um poderia escrever sobre coisas tão ordinárias desde que tivesse “tempo, papel, capricho e teimosia infantis suficientes”. Woolf, que foi duramente criticada por Bennett, também criticou Joyce da mesma forma como criticaria qualquer inglês: Ulysses, a obra de “um estudante nauseado espremendo suas espinhas”. Apesar da excelência literária de Woolf, ela não conseguiu esconder sua má-consciência em relação à condição da Irlanda.
O que de fato Joyce teve foi a consciência ampliada de um problema exterior à ficção, a subsunção dos irlandeses, da qual, e apesar do nacionalismo, despreenderam-se forças anárquicas que coincidiam com as do mundo moderno e, em particular, desencadeadas por todas as vanguardas com suas linguagens que, ao denunciarem a crise geral da cultura europeia, criaram as linguagens de um novo tempo, a do caos da própria ideia de modernidade que naufragou em meio a todas as modernizações. Por esta, e por outras, cinquenta anos após a publicação de Ulysses, várias universidades inglesas ainda não admitiam a obra nos cursos de graduação.
No primeiro episódio, na breve e vertiginosa primeira parte de Ulysses, a da torre, a principal recorrência nesse sentido não poderia deixar de ser Oscar Wilde, irlandês da sepa como Joyce, criados por si mesmos, e com a legítima arma, a ironia shakespeariana que transcorre no diálogo entre Sthepen Dedalus e Buck Mulligan, que surrupiou o espelho no quarto da arrumadeira, oferecido a ele que se interroga como se vê e como os outros o veem. E Mulligan:

– A ira de Caliban ao não ver o seu rosto no espelho, ele disse. Ah se o Wilde estivesse vivo pra te ver!
Recuando e apontando, Sthepen disse com amargura.
– É um símbolo da arte irlandesa. O espelho rachado de uma criada.

A arte de Sthepen Dedalus, é a teologia que, logo em seguida, se reconhece como inversa, baldada, um “neopaganismo” de homens estranhos sob o signo de “omphalos”, termo enigmático de propósito epifânico de Joyce na saga de Dedalus-Telêmaco como é sua enteléquia, a realidade em vias de se realizar através da linguagem teleológica.
O termo onfalo refere-se ao umbigo, tendo acepções que cabem perfeitamente a Dedalus à procura de si no espelho partido, sendo para ele a metáfora da torre, ao mesmo tempo em que nele fica subentendido a onfalomancia, a adivinhação do número de filhos anunciado pelo número de nós no cordão umbilical; o onfalópsico, o membro de uma seita antiga, quietista, que acreditava entrar em contato com o divino através da contemplação do umbigo; e o onfalóptico, o cristal óptico biconvexo. Dedalus, que é o próprio Joyce desde livros anteriores, é a consciência ainda “não criada”, porém desviando-se de qualquer culpa, pois, afinal, contrariou o desejo da mãe, rezar por ela à beira da morte. “Por quê?”, pergunta e responde Mulligan: “Porque você tem o maldito do sangue jesuíta, só que injetado ao contrário”. E Dedalus sai, aos poucos, das “feridas escancaradas que as palavras lhe deixaram no peito”, que feriu a si mesmo, não à mãe, ele que deveria construir-se por conta própria, com engenho e arte em seus caminhos intrincados e na torre nos penhascos que lembravam Elsinore como explicou Haines a ele, perguntando o que pensava sobre Hamlet.
Uma interpretação teológica de Tomás de Aquino entra no diálogo sobre pai e filho, o filho que luta contra o pai para se redimir, para não cumprir a sua destinação, o que Mullingan referencia como uma prova algébrica “que o neto de Hamlet é avô de Shakespeare e que ele mesmo é o fantasma do próprio pai”. Amiúde Wilde falava na concepção shakespeariana de si mesmo, do conceber-se “a si próprio” com o exagero idiossincrático da personalidade na arte de ser, um Shakespeare no pai morto e no filho o fantasma que vai abolir assim como Joyce faz de Dedalus que se desvia do papel de herdeiro, justamente o seu símbolo.
Ainda no diálogo com Haines, Dedalus tem atrás de si o daimon “chamado Steeeeeeeeeephen”, eco de seu nome, arremessado para frente com a paixão de que tudo é capaz, incorporando-se de linguagem livre e futura, a mesma exprimida por Joyce na carta a seu irmão Stanislaus ao desconfiar de qualquer herói e que nada poderia substituir “a paixão individual como força motriz de tudo”. Dedalus na Biblioteca Nacional, 16 de junho de 1904, o dia em que ocorre Ulysses, ao ter o passado do futuro se vê a si mesmo como projeção do que será.
O daimon de Telêmaco, no primeiro canto da Odisseia, é a atribuição de um ser intermediário e intermediador dos deuses e dos homens, porém guiado pela deusa transfigurada em um ancião, Mentes, hóspede e amigo de seu pai e que o guia, conforme Werner Jaeger, na solução do “íntimo conflito entre as paixões cegas e a mais perfeita intuição, tido como o autêntico problema de toda a educação no mais profundo sentido da palavra”. O que está atrás de Dedalus é a eudaimonia, a felicidade, mas há o sol de um império que “nunca se põe” para a surpresa do professor Deasy, que incita os alunos com legendas cívicas do reino, gritando: “Isso não é inglês. Foi um celta francês que disse isso”. O que é dos ingleses é irresponsável na responsabilidade de Dedalus.

– Eu tenho medo dessas palavras grandes, Stephen disse, que nos deixam tão infelizes.

ENTREVISTA JOYCIANA

Concedida por Vinícius Alves





Dizem que os escritores são bons leitores, ou, também, que deveriam ler mais do que escrever. Qual o último livro que você leu?

V. A. – acabei de ler Os laços. agora essa sua afirmação é duvidosa. isso vai depender muito do escritor em questão. há escritores que nem lendo uma vida inteira serão bons escritores, nem mesmo bons leitores, dependendo exatamente do que leem. às vezes um escritor, um mal escritor, não lê nem aquilo que escreve. e os ghost writers? ah, você não me perguntou quem é o autor de Os laços, então não disse.

Sim, não perguntei, mas Os laços acho, foi escrito por Cláudio Ascot se não me falha a memória. Você fez algumas anotações nas margens, sublinhou trechos?

V. A. – sim, Cláudio Ascot, sua memória não falhou. tenho esse péssimo hábito que alguns amigos abominam, mas geralmente não são anotações e sim cópias dos trechos sublinhados. ou pequenas ideias que me ocorrem. acho que é pra matar a vontade de ter escrito o ali escrito, mesmo em tradução. não sei escrever em outro idioma que não seja esse miserável idioma que é o nosso. outra vez você pergunta se sublinhei trechos (já disse que sim) mas não pergunta quais, então outra vez não digo.

Não, não vou perguntar sobre esses trechos transcritos, porém sobre um detalhe que o nome do autor me sugeriu, apesar de levar em conta o "matar a vontade de ter escrito o ali escrito". Ele, Cláudio, não terá claudicado para escrever o que escreveu?

V. A. – o ato ou o fato dele claudicar, ainda mais sendo o próprio cláudio, é deveras claudicante. mas a linguagem que não claudica não comunica. aliás, havia um comunicador dantanho que dizia mais ou menos isso, não é? quero dizer, a linguagem que não claudica se torna monótona, cansativa, enfadonha. uma boa claudicada é fundamental pra deixar a mente desperta e a linguagem esperta. claudiquemos, pois.

Bom, como falas sem claudicar sobre as claudicações de Cláudio, Os laços deve ser um bom livro, mas deixo os laços para outra hora porque desenlaces é o que pensei e de Joyce. Como foram as tuas leituras de Ulysses?

V. A. – as minhas leituras do ulysses não foram, ainda estão sendo, porque quando a  gente pega um livro bom pela frente, um livro enigmático, um livro instigador, a gente tá sempre voltando a ele. isso acontece com vários escritores, mas hoje principalmente com joyce, que, entre nós, é como o coentro: tem uns que o amam, outros o odeiam. com joyce acontece uma coisa engraçada: seus livros são uma continuação um do outro, então temos que pegar desde "música de câmara" e ir até o "finnícius revém". isso não acontece com mais nenhum escritor de forma tão clara, tão escancarada. então para ler joyce temos que estar armados até os dentes e nunca acharmos que a leitura de seus livros está completa. ele mesmo disse, quando terminou finnegans, que estava escrevendo um livro para ser entendido daqui a 300 anos. e não sou eu que vou contrariá-lo.

Essa de fazer cheirar o "coentro" gostei, que para tantos fede. Joycoentro de tantos centros que descentra tudo. Fiz essa pergunta motivado pelo seguinte: quando leio Ulysses tenho a sensação que estou andando e vejo duas linhas, uma em cada lado e que vão se afunilando até se encontrar. Até aí tudo bem, porque o bem melhor é que, ao mesmo tempo, também sinto duas linhas às minhas costas que fazem o mesmo e daí não sei mais aonde estou, se aqui ou em Dublin, se estou lendo Joyce ou se o que escreveu está me lendo. Mas vou deixar essa coisa pra lá, e perguntar o que já perguntei, porém em outra órbita. Dessas leituras infinitas de Ulysses, algumas coisas ficaram anotadas na mente?

V. A. – muitas, como ficaram muitas também de leituras de vários outros livros. o meu grande medo é esse, que o leitor atrapalhe o escritor, que as coisas anotadas na mente perturbem a mente na hora da mente mentir. mas o que me ficou mais guardado em "ulysses" e agora nas engatinhadas que dou no "finnegans" é a libertade total da linguagem. o ulysses é uma narrativa do dia, joycoentro te leva pelas ruas de dublin no dia 16 de junho, homenagem ao dia que conheceu sua nora barnacle (sobrenome que, em inglês, lembra algo como ferrugem ou pessoa indesejada, pessoa impertinente). a mesma coisa me ocorreu quando li pela primeira vez o "grande sertão: veredas". fiquei tão fascinado pela linguagem (até hoje fico) que a "história" em si pouco interessava. você fica completamente tonto de início, é como se o autor te hipnotizasse. você entra num transe (e na transa) que é a linguagem acontecendo ali na sua frente. disso não se pode escquecer.

Digo então, aproveitando a tua levantada de bola, que Ulysses é um sonho diurno e o finnegans um sonho noturno, e, os dois juntos, acabam com todas as indecisões dos demais escritores, menos alguns, é claro. E se, para que a mente não fique perturbada na hora de mentir, essas anotações mentais fossem marcadas com tinta, que tal?

V. A. – exatamente isso, em joyce a linguagem é a dos sonhos. talvez ulysses seja um sonho e finnegans um pesadelo: as palavras valise, o trovão de cem letras, a mistura de línguas e de culturas, enfim, a linguagem do mundo, tudo ao mesmo tempo agora. tinta não é muito a minha praia mas seria uma outra experiência, uma outra linguagem, uma outra viagem. quem sabe? o próprio joyce não era muito de pintura, dizia que de pintura não entendia nada, e às vezes foi criticado porisso. eu sou um experimentador diletante ou um diletantador experimante.

JAMES JOYCE – BLOOMSDAY

Da Redação




No dia 16 de junho de 1904 transcorre a ficção Ulysses, do irlandês James Joyce. Desde que foi publicado, em 1922, o livro provocou reações, e continua provocando, das mais medíocres às mais inteligentes, tendo estudos importantes nas academias e fora delas. Apesar de ser uma obra das mais comentadas, é pouco lida por não se acomodar aos hábitos literários, mas isso não quer dizer que o livro seja ilegível. Pelo contrário. Apenas atenta contra os hábitos de leitura e constituiu, na sua estrutura narrativa, uma revolução copernicana. Além de experimentar todas as formas narrativas tendo como centro irradiador o criador do humano, Shakespeare, Joyce remontou a narrativa primeira, a de Homero, justamente a Odisseia, à qual o nascimento da filosofia grega deve o seu sumo, a essência espiritual.

Ulysses – com seus insubstituíveis Leopold Bloom (Ulisses), Stephen Dedalus (Telêmaco), e Marion Molly (Penélope), personagens da Odisseia – notabilizou o autor e angariou uma voz crítica em nome do povo irlandês tripudiado pelo reino arrogante inglês. Por isso, o 16 de junho é feriado na Irlanda e, em muitos países, também é comemorado como Bloomsday, o dia escolhido por Joyce para situar sua obra que não deixará de desafiar as próximas gerações.

Por que 16 de junho de 1904? Segundo Joyce porque foi o dia em que fez amor pela primeira vez com quem teve a boa sorte de conhecer, Nora Barnacle. Dizem as más-línguas que ele apenas com ela passeou de mãos dadas em Dublin, cenário de Ulysses. Bem, se ele de fato fez isso, suas mãos devem ter ido mais longe como fazem os corações sinceros. Joyce e Nora viveram a vida inteira de mãos dadas.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

CONVITE DO MASC

Divulgação

"Faz Sentido", exposição coletiva com vários artistas no Museu de Arte de Santa Catarina.


MASC
Av. Gov. Irineu Bornhausen, 5600
88025-202 - Florianópolis/SC
Fones: (48) 3953-2319 / (48) 3953-2380
Fax: (48) 3953-2316
masc@fcc.sc.gov.br /
http://www.masc.sc.gov.br/



segunda-feira, 10 de junho de 2013

A SORTE DE UM INSTANTE

Por Jayro Schmidt


Água-forte de Marcelo Grassmann, detalhe


Alguns anos atrás fui surpreendido por uma mulher que não conhecia, que ao telefone me disse sobre uma pintura que adquiriu e que a imagem estava desaparecendo.
Nunca havia passado por isso, e, por expectativa acerca do que aconteceu, perguntei a ela se a pintura esteve exposta a algum acidente, dizendo-me que a mesma ficou no apartamento do qual esteve ausente por cinco anos.
Logo entendi o que poderia ter acontecido e pedi a ela que trouxesse o quadro para verificá-lo tecnicamente.
De fato, a imagem havia perdido a força, velada pelo tempo com a falta de luz. Expliquei a ela estes detalhes e me comprometi em resolver a situação porque logo observei que a tela estava intacta, sem a ação de umidade, e que seria fácil resgatar a imagem.
Uma amiga restauradora fez a limpeza paciente e foi bonito ver outra vez o brilho da tinta a óleo e o que estava ali, e ainda está, a relação de dois mundos que são aparentemente antagônicos.
Acredito que tenha sido isso – a conciliação do aquém e do além na pintura – que fez a mulher adquiri-la e querer tê-la reanimada. Isso confirmei ao vê-la, jovem ainda, mas com uma velatura sobre o rosto que ao mesmo tempo lhe dava uma expressão de criança e de anciã.
Depois de alguns dias, ao chegar ao trabalho, um grande envelope feito à mão me aguardava e com um recado de agradecimento que, sem dúvida, a mulher escreveu no ato por não ter me encontrado.
Ao ver o que continha, fui arrebatado por uma imagem de um gravador que já conhecia, Marcelo Grassmann, e mais arrebatado ainda quando vi, na cabeça com o elmo da gravura, um caranguejo que gravou a traço – o meu signo.
Agradeci por telefone o presente tão nobre e nunca mais tive a oportunidade de revê-la. A gravura posso vê-la o tempo todo, e mesmo não a tendo no campo de visão, continuo com sua imagem como se fosse um talismã.
De fato um talismã como é toda a obra de Grassmann, de velaturas na técnica e, sobretudo, nas imagens em si, anímicas, e que chegam até nós através de um fundo invisível, do outro do mundo como diria Blanchot, imagens que nos velam como velam os animais que também estão em sua obra.
Não são imagens do outro mundo, mas do nosso, do outro nosso mundo subliminar esquecido. A obra gravada e desenhada de Grassmann tem o dom de dizer o que os mestres podem dizer: não há nada superior ao silêncio.
Durante esses comentários ao sabor da memória, me perguntei se a mulher não adquiriu a gravura de Grassmann pelo mesmo motivo que adquiriu a minha pintura que, comparada com a sua gravura, é apenas o pálido reflexo do que vou dizer: apesar de tão diferentes quanto às imagens, no entanto têm algo em comum na sondagem de um lugar onde habitam os guias, os indícios e os sinais.
Assim vejo a obra de Grassmann e assim quis transmitir a ele a sorte de um instante.


ELKE SIEDLER

Da redação






Corpo que descorpora o habitual e volta a incorporar extremos relacionais da dança contemporânea, ela que esteve no Cena 11, em cena individual continua gótica e irada com seus cabelos de fogo.


AZUL PROFUNDO

Pintura de Terezinha Dias




NÚCLEO DA GRAFIA

Gravura em metal de Helena Maria Werner




Dentre os artistas e as artistas que se voltam para a gravura, Helena Maria Werner demonstra que tem cada vez mais encontrado a linguagem específica e múltipla dessa técnica, gráfica por excelência e que, apesar de proceder do desenho, tem particularidades que dependem das matrizes, dos instrumentos e de fatores não menos importantes como a escolha das cores e dos papéis de impressão. Mesmo assim, uma gravura não se reduz à técnica, sendo, em seu resultado final, a plenitude do imaginário. (J.S.)


segunda-feira, 3 de junho de 2013

AGENDA VISUALIZADA

Ronaldo Linhares






Fotos de Terezinha Dias

E AGORA, JOSÉ?

Xilogravura de Chico Marinho


DIGRESSÕES

Por Jayro Schmidt,
a Silveira de Souza



Caro Einstein,

Circunstâncias relativas acabaram me afastando do país que te abrigou, cujos detalhes não gostaria de comentar agora, impedindo-me de voltar a conversar contigo. Talvez tenhamos outra oportunidade, à beira de qualquer lago como gostas, de continuar o papo sobre mística, que geralmente parece expor o cientista fora de sua esfera.
Não me surpreendo com tua ousadia sobre esse sentimento cósmico porque, ao fazer uma análise de tua língua com finalidades artísticas, pensei que no futuro ela poderá servir para estudos mais significantes acerca de tua personalidade que está a cinquenta anos luz à frente de nosso tempo por estar, ao mesmo tempo, no sentido contrário.
Deguste o efeito que essa frase surte que, em grande parte, devo à tua forma de escrever. Nunca vi tanta clareza dita por quem lida com tantas coisas obscuras. Talvez por isso a luminosidade é para nós, apenas mortais, a trajetória de qualquer cometa, que ao se afastar da terra deixa um rastro de trevas. Cometa que se afasta da terra por vergonha, algo parecido com o que acontece com as personagens de Kafka ao se transformarem em animais.
Depois que li tuas considerações acerca da vida cósmica, fiquei convencido que sem a visão ficcional que tens de sobra, não terias formulado a teoria da relatividade, tão prática em todos os sentidos, começando com o peso, cuja potência está na massa. Peguei um pouco de argila para sentir a evidência de tuas conclusões. Ao apalpá-la, esmagando-a até, recordei meus estudos centrados em uma das premissas da lógica: tudo o que pode ser pensado é possível.
Se não fosse tua mente ficcional, assim como a de quem tanto estimas, Freud, o mundo teria parado de girar fora dos eixos. Sei que me entendes, pois isso não é somente uma metáfora. Se fosse, nem a ficção propriamente dita chegaria aonde chegou graças a algumas mentes preciosas como a de Kafka. Ouso dizer, sem desmerecer outros cérebros, que vocês são as pessoas mais importantes de nosso tempo. O que digo? Vocês são mais importantes que nosso tempo!
Não me desculpo ao ter me apropriado dessa ideia, de um mestre da luz não somente por ser cego. Ele mesmo incentiva isso, deitando por terra todas as presunções literárias. Não é bonito?
Bonito é saber, depois desses parágrafos que têm apenas o mérito das digressões, que já fui pescado por ti na pedra que lancei no lago. Não sei em que vibração fui pego, mas isso é bem pouco uma vez comparado com tua visão: nenhuma verdade se sustenta se não for, por mínima que seja, uma visão mística.
Imagino que isso esteja nas entrelinhas de tua língua, quero dizer, do cosmos, pelo menos do ponto de vista de que todo conhecer é um acreditar.


ESSE É O VALE

Poema Sem Título de Érico Max Müller


Pintura de Caspar Friedrich


Esse é o vale e esta é a mão que o desmancha
para que ainda maior seja a identidade
entre os guardiões e os guardados.
Por muito tempo te distanciaste,
vertebrado na crônica dos parentes,
e agora ressurges um nível das noites.

Onde os anciãos cultivam velas e palavras cansadas,
onde framboezas contaminam a frágil dança dos amantes,
onde o gato continua subterrâneo, à espreita
dos que se uniram sob a proibida imagem.
Talvez aqui, a lua manchada pelos feiticeiros,
deuses percorram jardins e clavicórdios.
O vale é como o poema ou a folha – apalpados,
transmitem-nos o imponderável tremor de seu ser.

Vale, célebre vale, tanto cresceste em minha origem,
alimentando-me de silêncio e certos momentos
evocando um passado não compartilhado.
Quantas vezes será preciso cantar-te, ó vale,
até que eu fique inteiramente submerso
em teu dorso?


(Extraído de Ao corpo circunscrito, Edições Livros da Ilha, Fpolis, 1966)

SER QUE NÃO É SER

Fotografia de Márcio H. Martins
Texto de Jayro Schmidt




Ao ver a foto de Márcio H. Martins, a imagem suscitou certas analogias que contribuíram para me levar outra vez ao to be or not to be de Hamlet, que, por sua vez, me levou à raiz etimológica do termo ser, que é estar. Há alguma novidade no estar? Sabe-se que não no drama do existir de Hamlet e na condição comum, a nossa, bombardeada por incentivos cívicos, de resto obrigatórios que põem todos no risco do not to be. Ora, obrigações cívicas não faltam, mas sem que tenhamos direitos cívicos num país que a propaganda oficial habilmente ilude. Não é isso? Um país rico não é um país sem pobreza: seria rico se fosse digno.