Por Ivan Schmidt
O mercado editorial brasileiro acaba de lançar mais um livro
do escritor peruano Mario Vargas Llosa, que em 2010 recebeu o Prêmio Nobel de
Literatura. Trata-se de A civilização do espetáculo (Objetiva, RJ, 2013), livro
em que o festejado autor apresenta “uma radiografia de nosso tempo e da nossa
cultura”, menção apropriadamente escolhida para subtítulo da obra traduzida por
Ivone Benedetti.
Citei a provável tradução do livro para o português, o que
ocorreu, além da expectativa que o mesmo abria para os ainda interessados em
temas nunca superados como o debate da cultura. Pois a mais recente obra
assinada pelo autor de Conversa na catedral, que os críticos consideram seu
melhor romance chegou ao leitor brasileiro, quase simultaneamente com a realização
da Flip 2013 (Festa Literária de Parati), que poucos conseguiram saber
exatamente o que seria, ou o que pretendia alcançar, a julgar pelo que
publicaram antes, durante e depois os cadernos culturais, que por sua vez também
já perderam quase por inteiro essa característica primordial.
O evento midiático foi uma boa síntese do pensamento de
Llosa, que recorreu ao enunciado do crítico George Steiner sobre a perda de
vitalidade da cultura livresca, algo que não passou despercebido por T. S.
Eliot, para justificar uma existência “cada vez mais à margem da cultura de
hoje, que rompeu quase totalmente com as humanidades clássicas – hebraica,
grega e latina – limitadas agora a alguns especialistas quase sempre inacessíveis
em seus jargões herméticos e sua erudição asfixiante, quando não em teorias
delirantes”.
Apoiado em Gilles Lipovestki e Jean Serroy, autores de A
cultura-mundo. Resposta a uma sociedade desorientada (Anagrama, Barcelona,
2010), ainda nas páginas iniciais Llosa alveja a onipresente cultura de massa
da qual participam sociedades e indivíduos dos cinco continentes,
aproximando-os e igualando-os apesar das diferenças de idioma, crenças e tradições:
“Em total oposição às vanguardas herméticas e elitistas, a cultura de massas
quer oferecer ao público mais amplo possível novidades acessíveis que sirvam de
entretenimento à maior quantidade possível de consumidores. Sua intenção é dar
prazer, possibilitar evasão fácil e acessível para todos, sem necessidade de
formação alguma, sem referentes culturais concretos e eruditos. O que as indústrias
culturais inventam nada mais é que uma cultura transformada em artigos de
consumo de massa”.
Assim, a cultura industrializada nasceu e se robusteceu com
o predomínio da imagem e do som sobre a palavra, concedendo espaço dominante à
tela. O cinema, a partir de Hollywood globalizou o filme, tais como o disco e a
televisão. Llosa diz que esse processo foi acelerado pela universalização da
internet.
Uma das perdas determinadas pela cultura-mundo, entretanto,
em apreciação de Llosa que a muitos poderá chocar, é que a mesma “em vez de
promover o indivíduo, imbeciliza-o, privando-o de lucidez e livre arbítrio,
fazendo-o reagir à cultura dominante de maneira condicionada e gregária, como
os cães de Pavlov à campainha que anuncia a comida”. O escritor também se
referiu aos milhões de turistas que visitam o Louvre, a Acrópole ou os
anfiteatros gregos da Sicília, mas discorda frontalmente de Lipovestki e Serroy
que vêem no fato a confirmação de que “a cultura não perdeu o valor em nosso tempo
e ainda goza de elevada legitimidade”.
Llosa contrapõe com certa impaciência ao argumentar que
essas visitas a museus e monumentos históricos clássicos “não representam um
interesse genuíno pela alta cultura (assim a chamam), mas mero esnobismo, visto
que a visita a tais lugares faz parte da obrigação do perfeito turista pós-moderno”.
O pensador peruano que divide seu tempo entre Londres,
Paris, Madri e Lima, lembra que em nossos dias o intelectual desapareceu dos
debates públicos, pelo menos dos que importam, embora admita que “alguns ainda
assinam manifestos, enviam cartas a jornais e se metem em polêmicas, mas nada
disso tem repercussão séria na marcha da sociedade, cujos assuntos econômicos,
institucionais e até mesmo culturais são decididos pelo poder político e
administrativo e pelos chamados poderes de fato, entre os quais os intelectuais
são ilustres ausentes”.
A constatação é válida para os acontecimentos havidos no
Brasil nas últimas semanas. Pelo relato da imprensa que ainda hoje tem
dificuldade para explicar a verdadeira natureza dos protestos, também foi
impossível verificar se algum intelectual de prestígio foi chamado a contribuir
de alguma forma, ou pelo menos, conversar com os líderes das manifestações. A
meu ver, porém, o pior dos exemplos foi dado pelo próprio governo que até esse
momento (se o fez foi em segredo) convidou sociólogos, psicólogos, antropólogos
e cientistas políticos para ouvir o que têm a dizer sobre o fenômeno.
Vargas Llosa confessa real nostalgia dos tempos de juventude
e, nesse aspecto conta com milhões de parceiros, quando Bertrand Russel
(Inglaterra), Sartre e Camus (França), Moravia e Vittorini (Itália), Günter
Grass e Enzensberger (Alemanha), Ortega y Gasset e Miguel de Unamuno (Espanha),
assim como intelectuais de todas as democracias europeias, sempre foram os
primeiros a tomar posição sobre acontecimentos políticos ou sociais.
No Brasil tivemos também expoentes da cepa de Rui, Alberto
Torres, Augusto Frederico Schmidt, Barbosa Lima Sobrinho, Afonso Arinos, Alceu
de Amoroso Lima, Ariano Suassuna, Sobral Pinto e Raymundo Faoro, entre outros,
cuja voz se elevava naturalmente em momentos críticos da vida nacional.
Hoje o panorama traçado para a política pela civilização do
espetáculo é ruinoso. Llosa constatou que “infelizmente a influência exercida
pela cultura sobre a política, em vez de exigir que esta mantenha certos padrões
de excelência e integridade, contribui para deteriorá-la moral e civicamente,
estimulando o que possa haver nela de pior como, por exemplo, a mera farsa”. E
conclui: “Já vimos que, no compasso da cultura reinante, a política foi
substituindo cada vez mais ideias e ideais, debate intelectual e programas, por
mera publicidade e aparência. Consequentemente, a popularidade e o sucesso são
conquistados não tanto pela inteligência e pela probidade quanto pela demagogia
e pelo talento histriônico”.
Qualquer semelhança com um país que o leitor conhece (não) é
mera coincidência.
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