Por Jayro Schmidt
Com o verão ventilado, o lagarto que costumava vir no
canteiro ao lado da casa para papar os caramujos africanos, que infestam o Norte
da Ilha, não deu as caras. E que cara tem, ancestral e atenta a qualquer
barulho humano que o faz disparar abanando o rabo de um lado para o outro. Não
por falta de boa visão, como o rinoceronte, visão apenas rente ao chão e, por
isso, ergue a cabeça quando alerta porque ouviu sinais indesejáveis. Os gatos,
que andam por aqui, curiosos aproximam-se como querendo cheirá-lo para
reconhecer o quanto é diferente. Deu para ver que, nesses momentos, são os
gatos que têm que correr, pois o bicho, como se fosse a armadura de Aquiles – que
mostra ao inimigo a sua destinação – ataca destemido.
Os gatos, mais inteligentes do que a maioria das
pessoas que conheço, logo descobriram que não podem mexer, mesmo
inofensivamente, com tal armadura que protege sua carne que não deixa de ser
saborosa uma vez preparada como deve. Saborosos são os caramujos para o lagarto:
quebram com facilidade a casa que os protegem, comendo-os, sem exagero, com
êxtase. Não tenho como confirmar, mas dizem que foi um francês iludido que
trouxe os tais caramujos para criar e vender na Ilha como sendo uma iguaria.
Tenho um vizinho cuja profissão é inventar o tempo
disponível com um canário que não canta, uma bicicleta que geme e, dentre
outras coisas parecidas, às vezes captura um lagarto, que diz que é “largato”,
o que prova que o erro gramatical significa um parentesco verbal entre ele e os
peludos caseiros que têm fama de ladrões. Capturar um lagarto é bem fácil, com
isca fisgada em anzol. O largado, digo lagarto, aprecia lugares banhados e
córregos, nos quais manda ver o que pode pegar se for viscoso, sapos e cobras
e, se encontrar no caminho do faro, ninhadas de gatinhos que, crescidos, não
dispensam seus filhotes que se parecem com jóias.
No preparo do bicho, segundo meu vizinho, tem que se tomar
cuidado com veneno que pode estar na carne. Então o negócio, depois de governado,
é deixar a carne de um dia para outro em sal e vinagre. Se ficar verde é porque
está envenenado, que não lhe causa nenhum transtorno quando vivo. Disse ele
também que o lagarto de papo amarelo tem veneno próprio, enquanto o de papo
branco não.
Na primeira vez que o vizinho me ofereceu uma porção
ensopada, vi que o que dizem da iguaria, que os nativos tupis-guaranis apreciavam,
não é verdade. Por lembrar, suas costelas, as de frango ou mesmo de passarinho,
as pessoas, apesar de não comê-la por nojo, dizem que tem gosto de galinha. Não,
não tem esse gosto atrapalhado pelo cheiro das penas e, ocasionalmente, de
piolhos, sendo eliminado com vinagre ou limão. O lagarto tem gosto semelhante ao
de peixe sem escamas, como o bagre, por exemplo, que é tão famoso como os
gatos, pois adora a essência da humanidade com a satisfação que tem o porco. Os
gatos, isso todos sabem, são sempre os bichos mais asseados em qualquer lugar,
ainda mais quando aparecem em um poema de Manuel Bandeira.
Acredita-se que estas características da fauna, e
também da flora, têm propriedades clínicas e terapêuticas. A doutrina das
assinaturas é bem conhecida desde o século 15 com o princípio “o semelhante
cura o semelhante”, do que ninguém mais duvida. Está aí o começo da homeopatia
apesar de todos os abalos que tem suportado o meio ambiente. Mesmo assim, a
própria natureza dá um jeito de se regenerar.
Olhem o caranguejo, da família braquilógica. Isso sim
é lógica de um saber superior! Preferem perder a garra, não a presa, porque se
regenera por conta própria. E o sabor do caranguejo, para o meu paladar, é
inigualável. Tão saboroso é que só pode ser terapêutico como dormir e sonhar
que se está governando alguma nação como meu vizinho governa o lagarto – com
respeito e eficácia.
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