Por Jayro Schmidt
Para Vinícius Alves, que sabe o que estou dizendo
Numa crônica de outubro
de 1968, Clarice Lispector louva o café, o bom café que tomava antes de iniciar
um texto, algo indispensável nas ocasiões que se vai ter que encarar uma
situação difícil.
Escrever, por mais prazer
que se sinta, é difícil. Às vezes é tão difícil que só o café não basta como em
velórios de uma pessoa querida.
Um velório é bem mais
difícil para quem fica que o melhor é tomar uma xícara de café com conhaque,
uma mistura perfeita que os etílicos recusam com veemência, e com boas razões:
é como deturpar uísque com guaraná, mesmo que o aficcionado, e já alto, não
consiga mais emborcar o famoso caubói, que costuma fazer o cavalo disparar.
Então o gelo resolve, mas
não esfria o bebedor que fica feliz como um sapo em dia de chuva ao ouvir o
tilintar dos cubinhos que, com a ponta do dedo, faz dar voltas no copo enquanto
sua cabeça também insiste em fazer o mesmo, o que não chega ser perigoso se o
cara está no seu canto.
O café, de qualquer
maneira, pode amenizar o porre, isso se a porrada não tiver sido grande a ponto
de deitar o sujeito. A um bêbado deitado não se pode fazer nada a não ser que
esteja estarrado no meio da rua. Mas arrastar um bêbado é mais difícil do que
escrever uma crônica: é como arrastar um morto, no caso um morto de beber, que,
com o tempo, tende a inchar e esticar a pele do rosto como se tivesse feito uma
plástica bem-sucedida que lhe dá aquele ar ao mesmo tempo nem alegre nem
triste. Isso, é claro, é mais comum ver em pessoas ditas “sóbrias e
respeitáveis” que infestam os meios sociais.
Ainda não tive a
oportunidade de arrastar um bêbado ou um morto, somente um homem que foi
atropelado, tirando-o debaixo do carro enquanto o motorista se descabelava. Mas,
não faz muito tempo, tarde da noite voltava para casa caminhando e houve uma
queda de luz pública quase no mesmo instante que vi um bêbado indo pelo meio da
rua. Na semiescuridão parecia se sentir confortável apesar de vacilar, e de
repente parou, arremessando o corpo para frente... mas uma força contrária,
efeito do combustível que ingeriu, o movimentou para trás e caiu de costas. Apressei
o passo e vi que ele caiu bem, isto é, não bateu a cabeça no asfalto. Ajudei-o
a se levantar pegando sua mão, que respondeu com firmeza. Tive que fazer
bastante esforço para levantá-lo, me agradecendo depois que o levei até a
calçada: “Obrigado cidadão, obrigado”. Acho que assim fui chamado pela primeira
vez. Bom cidadão que às vezes sou, aconselhei-o a ir pela calçada por causa dos
veículos ou por causa de outro bêbado, tirando dele um riso gutural.
Segui em frente na rua
que se afunilava como se fosse o cenário de um filme de terror. Para me
certificar, olhei para ver como estava o homem, que conheço de vista. Estava de
novo no meio da rua... Bom, pensei, assim são os bêbados, que não sabem onde
estão, ou sabem por analogias porque estão rodeados de sofismas.
Um comentário:
sô jayro, com um gole no gelo e um galo na gola eu também já passei e ultrapassei e transpassei poressas e poroutras mas dificilmente achando um cidadão. só me lembro de um cidadão que se chamava são paulo e/ou rio de janeiro, (já não sialembro)mas daí já era outra coisa (ou outra cidade). quando vi, tava em buenos aires, airando os ares da palavra, daquela lavra que só as larvas gostam.
amprex do palavrini. rá!
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