quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Nova pintura: o retrato de uma geração


por Patrícia Amante*


A década de 1980, em todo o mundo, foi marcada por uma volta à pintura. Telas gigantescas foram apresentadas com uma forte gestualidade remetendo aos grafitti inseridos nos espaços urbanos.
Internacionalmente existe um cabedal teórico referente à nova pintura, conceitualizado por Achille Bonito Oliva, classificando-a como Transvanguarda Italiana, e legitimada em outras correntes chamadas de Neo-expressionismo, Figuração Livre, Nova-imagem, Bad Painting e New Fauves.
No Brasil, a década de 1980 nas artes plásticas gerou uma produção de valor qualitativo e quantitativo. Muitos artistas, oriundos de núcleos de resistência cultural, investiram no fazer artesanal, recuperando técnicas e suportes tradicionais. Filhos da ditadura militar, ansiavam por liberdade que foi explicitada através do gesto e da construção de imagens em espaços pictóricos. A palavra de ordem “Diretas Já” era o renascimento da sociedade civil, na qual esta geração fez da arte o seu retrato e do Brasil.
Esta produção atravessou o eixo Rio-São Paulo, ganhando espaços, instituições, salões e bienais, identificando-se com alguns princípios da Transvanguarda Italiana e próxima do Neo-expressionismo alemão, sem nenhum comprometimento com a tradição, mas sim com o prazer que a pintura proporcionava.
A nova pintura questionava a natureza das imagens propondo enxergá-la como um meio a serviço das necessidades expressivas do artista, criando estruturas visuais abstratas e, dessa forma, organizando o campo pictórico voltado para as ações.
A raiz da pintura dos anos 1980, por outro lado, referencia as correntes experimentais dos anos 1960, com a fragmentação característica e inerente da contemporaneidade marcada pelo campo ampliado da pintura que provoca a paralaxe do olhar a partir da temporalidade corporal. A pintura vai de encontro às instalações ao incorporar o ambiente à obra, rompendo os limites, capturando o espaço plástico, desenhando a abertura política, recuperando o prazer de pintar, saindo dos limites do chassi, configurando-se como objeto, instalação, rompendo fronteiras e seguindo a tendência universal das artes.

Pintura de Luis Henrique Schwanke
Pintura de Luis Henrique Schwanke

Em meados de 1980, Florianópolis passou a figurar como ponto de referência de manifestações artísticas enquadradas no movimento nacional. Apresentando elementos em comum, destacou a recuperação da pintura com participações em exposições coletivas, individuais, salões locais e nacionais. A vinda de Harry Laus para a direção do Museu de Arte de Santa Catarina – Masc, contribuiu para a revitalização da arte no estado através de exposições,  salões e críticas literárias que permearam as artes daquele período, ampliando-as e contextualizando-as de forma a romper com a tradição e a acomodação ao visar conceitos estéticos renovados e atuais, não só com a vinda de grandes exposições, mas pelo incentivo dado às manifestações contemporâneas de muitos artistas. Tal mudança não foi apenas local, abrangendo outros polos do estado.

Doraci Girrulat
Doraci Girrulat – o corpo como obra.

É pertinente ressaltar entidades que tiveram grande influência nesta renovação, como a Associação de Artistas Plásticos – Acap, que contribuiu de maneira atuante com exposições, projetos, intercâmbios e abordagem da função mercadológica. Absorveu e consagrou, assim, boa parte dos jovens artistas.
Neste sentido, a Universidade do Estado de Santa Catarina – Udesc, foi um dos principais núcleos de formação para os artistas da referida geração por meio do Grupo Nhá-ú, Grupo Artmosfera e Grupo Guará.
Os três grupos organizaram-se informalmente e questionaram os limites da instituição, o que contribuiu para o amadurecimento de suas expectativas artísticas e a conquista de outros espaços.
Além disso, as Oficinas de Arte do Masc foram também um polo aglutinador de jovens artistas e formadoras de novos conceitos. Entre os artistas que se destacaram neste período estão Rubens Oeströem, Loro, Schwanke, Doraci Girrulat, Lindote e Bira.

Pintura de Rubens Oeströem.
Pintura de Rubens Oeströem

A produção artística da Geração 80 em Santa Catarina, apesar de estar situada em um mesmo contexto, não apresentava uma só tendência. Ao contrário, apresentou produções distintas que eram concernentes a poéticas individuais. Contudo, é correto salientar que o artista volta à pesquisa pessoal, delimitando sua atuação no espaço simbólico da tela com a manipulação de linguagens formais, e rematerializando sua visão interna com o plano pictórico ao manter um diálogo entre o preservado pela tradição e as atuais vivências, expandindo o corpo como imagem e superfície. Os artistas, em consequência, recuperaram o caráter contestador da arte brasileira com ações artísticas voltadas para a discussão do objeto, para a tridimensionalidade, criando instalações e ocupando todos os espaços possíveis.
Embora sintonizados com as tendências vigentes da época, estes artistas trilharam caminhos próprios, prevalecendo a capacidade técnica, sem contudo eliminar a poética e a intuição. Estabeleu-se um diálogo entre espectador e obra de arte, criando códigos e reflexões estéticas, onde o elemento decisivo foi a diversidade de referências espaços-temporais e repertórios plásticos formais.


*Patrícia Amante é artista plástica e professora das Oficinas de Arte – Centro Integrado de Cultura. 


Um comentário:

Daniel Ballester disse...

Hay aire y muy refrescante en el texto de Patricia. Flujo y reflujo de las mareas pictóricas en una isla siempre posible, siempre viable, siempre invisible.