A década de 1980, em todo o mundo, foi marcada por uma
volta à pintura. Telas gigantescas foram apresentadas com uma forte
gestualidade remetendo aos grafitti
inseridos nos espaços urbanos.
Internacionalmente existe um cabedal teórico referente
à nova pintura, conceitualizado por Achille Bonito Oliva, classificando-a como
Transvanguarda Italiana, e legitimada em outras correntes chamadas de
Neo-expressionismo, Figuração Livre, Nova-imagem, Bad Painting e New Fauves.
No Brasil, a década de 1980 nas artes plásticas gerou
uma produção de valor qualitativo e quantitativo. Muitos artistas, oriundos de
núcleos de resistência cultural, investiram no fazer artesanal, recuperando
técnicas e suportes tradicionais. Filhos da ditadura militar, ansiavam por
liberdade que foi explicitada através do gesto e da construção de imagens em
espaços pictóricos. A palavra de ordem “Diretas Já” era o renascimento da
sociedade civil, na qual esta geração fez da arte o seu retrato e do Brasil.
Esta produção atravessou o eixo Rio-São Paulo,
ganhando espaços, instituições, salões e bienais, identificando-se com alguns
princípios da Transvanguarda Italiana e próxima do Neo-expressionismo alemão,
sem nenhum comprometimento com a tradição, mas sim com o prazer que a pintura
proporcionava.
A nova pintura questionava a natureza das imagens
propondo enxergá-la como um meio a serviço das necessidades expressivas do
artista, criando estruturas visuais abstratas e, dessa forma, organizando o
campo pictórico voltado para as ações.
A raiz da pintura dos anos 1980, por outro lado,
referencia as correntes experimentais dos anos 1960, com a fragmentação
característica e inerente da contemporaneidade marcada pelo campo ampliado da
pintura que provoca a paralaxe do olhar a partir da temporalidade corporal. A
pintura vai de encontro às instalações ao incorporar o ambiente à obra,
rompendo os limites, capturando o espaço plástico, desenhando a abertura
política, recuperando o prazer de pintar, saindo dos limites do chassi,
configurando-se como objeto, instalação, rompendo fronteiras e seguindo a
tendência universal das artes.
Pintura de Luis Henrique Schwanke
Em meados de 1980, Florianópolis passou a figurar como
ponto de referência de manifestações artísticas enquadradas no movimento
nacional. Apresentando elementos em comum, destacou a recuperação da pintura
com participações em exposições coletivas, individuais, salões locais e
nacionais. A vinda de Harry Laus para a direção do Museu de Arte de Santa
Catarina – Masc, contribuiu para a revitalização da arte no estado através de
exposições, salões e críticas
literárias que permearam as artes daquele período, ampliando-as e
contextualizando-as de forma a romper com a tradição e a acomodação ao visar
conceitos estéticos renovados e atuais, não só com a vinda de grandes
exposições, mas pelo incentivo dado às manifestações contemporâneas de muitos
artistas. Tal mudança não foi apenas local, abrangendo outros polos do estado.
Doraci Girrulat – o corpo como obra.
É pertinente ressaltar entidades que tiveram grande
influência nesta renovação, como a Associação de Artistas Plásticos – Acap, que
contribuiu de maneira atuante com exposições, projetos, intercâmbios e
abordagem da função mercadológica. Absorveu e consagrou, assim, boa parte dos
jovens artistas.
Neste sentido, a Universidade do Estado de Santa
Catarina – Udesc, foi um dos principais núcleos de formação para os artistas da
referida geração por meio do Grupo Nhá-ú, Grupo Artmosfera e Grupo Guará.
Os três grupos organizaram-se informalmente e
questionaram os limites da instituição, o que contribuiu para o amadurecimento
de suas expectativas artísticas e a conquista de outros espaços.
Além disso, as Oficinas de Arte do Masc foram também
um polo aglutinador de jovens artistas e formadoras de novos conceitos. Entre
os artistas que se destacaram neste período estão Rubens Oeströem, Loro,
Schwanke, Doraci Girrulat, Lindote e Bira.
A produção artística da Geração 80 em Santa Catarina,
apesar de estar situada em um mesmo contexto, não apresentava uma só tendência.
Ao contrário, apresentou produções distintas que eram concernentes a poéticas
individuais. Contudo, é correto salientar que o artista volta à pesquisa
pessoal, delimitando sua atuação no espaço simbólico da tela com a manipulação
de linguagens formais, e rematerializando sua visão interna com o plano
pictórico ao manter um diálogo entre o preservado pela tradição e as atuais
vivências, expandindo o corpo como imagem e superfície. Os artistas, em
consequência, recuperaram o caráter contestador da arte brasileira com ações
artísticas voltadas para a discussão do objeto, para a tridimensionalidade,
criando instalações e ocupando todos os espaços possíveis.
Embora sintonizados com as tendências vigentes da
época, estes artistas trilharam caminhos próprios, prevalecendo a capacidade
técnica, sem contudo eliminar a poética e a intuição. Estabeleu-se um diálogo
entre espectador e obra de arte, criando códigos e reflexões estéticas, onde o
elemento decisivo foi a diversidade de referências espaços-temporais e
repertórios plásticos formais.
*Patrícia Amante é artista plástica e professora das Oficinas de Arte – Centro Integrado de Cultura.
Um comentário:
Hay aire y muy refrescante en el texto de Patricia. Flujo y reflujo de las mareas pictóricas en una isla siempre posible, siempre viable, siempre invisible.
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