Por Jayro Schmidt
Desde sempre, tenta-se provar que fantasmas existem.
Pois bem, eles existem. Todos têm os seus e algumas
pessoas dão forma às fantasmagorias. Afinal, fantasma e fantasia andam de mãos
dadas.
Quem não viu ainda essas coisas sem matéria,
espectrais vamos dizer, mas que são nossos companheiros psíquicos?
O poeta português Fernando Pessoa estava fascinado, e
também decepcionado, com Esteves por não ter metafísica.
Conclui-se que Fernando Pessoa queria, mas não podia
livrar-se dos fantasmas, em seu caso os heterônimos que deram voz à sua mente
povoada de paredros, essas criaturas que aconselham e guiam.
Querendo ou não, ninguém vive sem fantasmas, que são
necessários e participam de maneira ativa na formação da vida desde que aparece
no ventre. Aliás, por falar nisso, o feto é um dos mais perfeitos fantasmas que
se conhece.
Podem-se fazer tantas coisas ao longo do tempo, porém,
o que de fato se faz é elaborar os fantasmas para que possamos conviver com o
desconhecido, com o estranho.
Desenho de Luis Viderbost
Além de espectro e paredro, mais duas palavras dizem
tudo sobre matéria tão sutil: eidola, a imagem-fantasma, e pareidolia, a
manifestação do fantasma.
Inumeráveis são suas presenças em todas as artes,
todas provenientes de constatações pessoais que ampliam o campo relacional
entre imanência e transcendência. Para ilustrar, comento fantasmagorias de Kafka
e Munch.
A imagem-fantasma permeia toda a obra ficcional de
Kafka e, para tantos outros autores, ele foi e tem sido um fantasma. Dentre as
suas visões nesse sentido, é saborosa a dos limpadores de chaminés,
trabalhadores comuns na Europa de então. Visão infantil, nos quais via demônios
que mais tarde associou aos dilemas do nascer e do morrer, mais do morrer que
exprimiu numa frase que continua causando perplexidade:
Estar morto,
isso significa para o homem o mesmo como o domingo para os limpa-chaminés:
lavam-se da fuligem.
Tais demônios prolongaram-se em sua mente adulta
permeável aos espectros, que são figuras mitificadas que serviam à educação
pelo temor que causa e que vivificava toda a literatura fabulosa do norte
europeu.
Não menos alucinatória é a obra de Munch,
especificamente o espectro que grita, pintura que se reportou a uma experiência
também subliminar quando andava com dois amigos no crepúsculo da tarde.
Próximos a uma ponte, o pintor sentiu grande tensão e não pode caminhar mais.
Foi então que viu as nuvens cobrindo-se de sangue, e ouviu um grito ou um
gemido que bem conhecemos através do fantasma que pintou.
O grito, Munch
Por estas, e por outras, não é à toa que Leonardo da
Vinci recomendava a seus poucos alunos que olhassem uma parede envelhecida por
longo tempo, até que surgissem imagens que, na realidade, são provocadas por
certas disposições psicofisiológicas.
Talvez Leonardo da Vinci tenha refletido sobre a
necessidade de fantasmas, pois ele acreditava, apesar de todo o seu empirismo,
na imaginação. Fantasmas como companheiros psíquicos, como são os gatos, que não
se aproximaram dos homens por causa dos ratos que se aproximaram por causa dos
grãos.
Pelo menos era assim que pensavam os Maias e os
Astecas.