Redação do blog
Ana Cristina César (1952-1983) foi precoce na arte de
escrever e escreveu com regularidade. Na coleção Perfis do Rio, Ítalo Moriconi, na biografia que leva o nome da
poeta, diz: “Gaveta de poeta forte morta precoce é fogo. Sai papel feito coelho
de cartola de mágico. Ana deixou cadernos e pastas com muitos rascunhos, poemas
mais ou menos terminados, traduções e esboços de traduções, deixou malas cheias
de agendas, bloquinhos de anotações, diários”.
Observem que Moriconi empregou o termo poeta forte para situar uma mulher que ousou desafiar a sublimidade da
poesia. Somente poetas assim podem fazer isso, e Ana C. o fez numa época
desfavorável para tanto, na qual, em função de fatores históricos marcados pela
ditadura militar, predominou uma literatura de cunho ideológico numa poesia
simples, às vezes planfletária, de fato marginal. De qualquer maneira, Ana C.
foi marginal, porém sofisticada, ciente de que escrever é um ato problemático
da escrita porque vinculada à existência ou, melhor dizendo, ao ter que
existir.
A brevidade de sua vida foi intensa, Ana C. de
paradoxos encobertos pelo literário e descobertos por sua franca antiliteratura
com os amados Baudelaire, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de
Andrade, T. S. Eliot e Jorge de Lima.
Para quem ainda não conhece Ana C., transcrevo duas
pitadas:
olho muito
tempo o corpo de um poema
até perder de
vista o que não seja corpo
e sentir
separado entre os dentes
um filete de
sangue
nas gengivas
****
eu dentro do
templo chuto o tempo
uma palavra
me delineia
voraz
e em breve a
sombra se dilui
se perde o
anjo
A bibliografia sobre Ana C. cresce a cada dia, e, para
começar, nada melhor do que ler o ensaio intimista de Flora Süssekind, Até segunda ordem não me risque nada,
Sette Letras, 1995; a tese de doutorado de Maria Lucia de Barros Camargo, Atrás dos olhos pardos, Argos, 2003; e,
naturalmente, a biografia de Ítalo Moriconi, Ana Cristina César, Relume Dumará, 1996. (J.S.)
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