Durante a primeira grande
guerra, refugiados e pacifistas foram para um país neutro, Suíça, e lá
descobriram que pensavam no mesmo de maneiras diferentes. Queriam começar tudo
outra vez, do nada da arte.
O palco foi o Cabaré
Voltaire, em Zurique, um astro com atmosfera cosmopolita que reuniu artistas
intempestivos, mas bem humorados e que resolveram dar nome ao que faziam, que
em qualquer livro de história é visto como niilismo, anarquismo e coisas do
gênero.
Como eles eram isso tudo e
mais, menos genéricos, abriram um dicionário ao acaso e um dedo foi parar em dada, nome de acordo com as suas
expectativas artísticas, ou deveria dizer explosivas?
Explosivas sim de sins
através de soluções imaginárias como na patafísica de Jarry e outros
precursores solitários.
Desculpem a redundância,
pois todo precursor é solitário, e o ato de bibliomancia que eles perpetraram
levou-os ao nome de começos porque dada
é um solecismo, exprime a afeição da criança e nomeia o paninho, o cavalinho de
pau, a coisa que joga do berço para descobrir a gravidade do mundo.
É claro que as crianças são
repreendidas e às vezes punidas e assim ficam mudas ou gritam, reagem com
lágrima e cocô em excesso e tudo acaba virando uma merda familiar.
Dizia que o nome dada foi um ato de bibliomancia, que
consiste em se abrir um livro e interpretar a sorte no trecho em que a vista
pousou. Os dadaístas, entretanto, não foram místicos apesar de curtirem essa
forma semiótica de adivinhação. Curtiram todas as semióticas, que desbancaram
as estéticas.
Acho que não sou místico,
mas tenho a mania de abrir livros na página que for e consultar, em especial
livros de etimologia. Nesse caso, é uma coisa: cada coisa é uma palavra, como
pensava Clarice Lispector.
Cada palavra tem as suas
coisas e assim fico horas e horas ouvindo o farfalhar das páginas e o roçar do
lápis no papel.
A sensação que tenho é que
as palavras vão para longe, adquirem sentidos e voltam sempre.
Voltam porque são como gatos
desde que a carícia não seja a contrapelo. Isso aprendi lendo nas palavras para
onde querem me levar.
Quanto mais me levam para
trás, mais me arremessam para frente.
Nas bibliomancias
etimológicas, logo descobri que as palavras se apresentam conforme certas
disposições mentais e acabam formando famílias de significados.
Quando se fala em
etimologia, o lampejo das palavras está no étimo, que é o vocábulo que forma
outro vocábulo. Como se a origem dos termos dependesse do insuflar, do sopro,
do sibilar que de uma maneira ou de outra pediram traços de sinais-icônicos-simbólicos
que nas palavras orientais não se afastaram completamente do figural e, nas
ocidentais, abstraiu. Mesmo assim, ainda se pode, nas vogais e nas consoantes
latinas, configurar seus inícios, que foram ações cognitivas ditas e
desenhadas.
E como vocábulos formam
vocábulos, cada sentido verbal pede outro sentido e assim amplia-se o campo
semântico, a praia dos escritores a ponto de fazerem dos semas a possibilidade
de expressar o que ainda não tem nome – a língua no interior da língua. Joyce é
claro, mas antes dele Marinetti e Carroll.
Fico com Carroll, que colocou na boca de Humpty Dumpty a definição da palavra que agarra outra palavra, a “braquilógica”, pois Alice queria saber porque os signos não se fixam, tendem a migrar no poema que memorizou, “Jabberwocky”, como em outras, “sacalaxurgos”, “elasticojentos”, “miserágeis”, “esfregachugos”, “porcalhos”.
A palavra braquilógica é uma
“maleta”, na qual Alice poderia guardar coisas pessoais, tudo ao mesmo tempo:
“Há dois significados empacotados em uma palavra só”. A palavra-valise como
ficou mais conhecida.
Dando uma garimpada
etimológica no termo de Carroll, braqui vem do grego brachion, braço, que nos
caranguejos, braquiúros, acabam em garras. E os caranguejos, como se sabe não
somente através de Gaston Bachelard, preferem não perder a presa, e sim a garra
porque se regenera. É que esse velhinho pensador sempre novo observou que os
caranguejos não comem para viver, vivem para comer.
3 comentários:
A palavra mata a fome. Mais tudo mundo prefere fechar a boca com x burger.
Gostei muito das breves luzes lançadas sobre variados temas, principalmente, sobre "dada", movimento e significado,
no tempo e espaço daquele momento.
Bom demais...
Cynthia: lampejo é isso, almenara também, luz à distância como dos olhos de teu gato.
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