segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Nosso medo


Poema de Erly Welton Ricci


Ilustração de Erly Welton Ricci


“Serei capaz
de não ter medo de nada,
nem de algumas palavras juntas?”
Manuel António Pina


Não usa sapatos novos
Nem assoma na janela
O uivo de sete paredes
Nosso medo

Ruas mal-iluminadas
Pedra assentada no ombro
O que espreita na lida

Signo de nenhuma estrela
Crucificada no erro
Em vestes corruptíveis

Fala pelos cotovelos
Entre ossos e lama e aço
Cerra olhos e punhos
Nosso medo

Não tem a morte no rosto
Não oferece a outra face
Ferro e fogo do verso

Cálice de vinho e veneno
Inverno de mitos sangrentos
Desperta mil vezes em cena

É uma montanha de pedra
Ciência e deuses no Olimpo
Rosário de sal e de seca
Nosso medo

Punhado de cal na têmpora
O dia que ainda não veio
Barco na névoa espessa

Cova rasa do julgamento
A linha de qual horizonte
Minúcias de zinco e areia

São ferpas e lascas na unha
Estrada longa e estreita
Reza pra todos os santos
O nosso medo

Ferrugem no pó e nos pelos
O sangue de metal e fungos
A certeza de não sabermos

Em doze motes de cera
Grades e muros e cercas
Arame em torno do punho
O nosso medo


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