Por Jayro Schmidt
Água-forte de Marcelo Grassmann, detalhe
Alguns anos atrás fui surpreendido por uma mulher que
não conhecia, que ao telefone me disse sobre uma pintura que adquiriu e que a
imagem estava desaparecendo.
Nunca havia passado por isso, e, por expectativa acerca
do que aconteceu, perguntei a ela se a pintura esteve exposta a algum acidente,
dizendo-me que a mesma ficou no apartamento do qual esteve ausente por cinco
anos.
Logo entendi o que poderia ter acontecido e pedi a ela
que trouxesse o quadro para verificá-lo tecnicamente.
De fato, a imagem havia perdido a força, velada pelo
tempo com a falta de luz. Expliquei a ela estes detalhes e me comprometi em
resolver a situação porque logo observei que a tela estava intacta, sem a ação
de umidade, e que seria fácil resgatar a imagem.
Uma amiga restauradora fez a limpeza paciente e foi
bonito ver outra vez o brilho da tinta a óleo e o que estava ali, e ainda está,
a relação de dois mundos que são aparentemente antagônicos.
Acredito que tenha sido isso – a conciliação do aquém
e do além na pintura – que fez a mulher adquiri-la e querer tê-la reanimada. Isso
confirmei ao vê-la, jovem ainda, mas com uma velatura sobre o rosto que ao
mesmo tempo lhe dava uma expressão de criança e de anciã.
Depois de alguns dias, ao chegar ao trabalho, um grande
envelope feito à mão me aguardava e com um recado de agradecimento que, sem
dúvida, a mulher escreveu no ato por não ter me encontrado.
Ao ver o que continha, fui arrebatado por uma imagem
de um gravador que já conhecia, Marcelo Grassmann, e mais arrebatado ainda
quando vi, na cabeça com o elmo da gravura, um caranguejo que gravou a traço –
o meu signo.
Agradeci por telefone o presente tão nobre e nunca
mais tive a oportunidade de revê-la. A gravura posso vê-la o tempo todo, e
mesmo não a tendo no campo de visão, continuo com sua imagem como se fosse um
talismã.
De fato um talismã como é toda a obra de Grassmann, de
velaturas na técnica e, sobretudo, nas imagens em si, anímicas, e que chegam
até nós através de um fundo invisível, do outro do mundo como diria Blanchot,
imagens que nos velam como velam os animais que também estão em sua obra.
Não são imagens do outro mundo, mas do nosso, do outro
nosso mundo subliminar esquecido. A obra gravada e desenhada de Grassmann tem o
dom de dizer o que os mestres podem dizer: não há nada superior ao silêncio.
Durante esses comentários ao sabor da memória, me
perguntei se a mulher não adquiriu a gravura de Grassmann pelo mesmo motivo que
adquiriu a minha pintura que, comparada com a sua gravura, é apenas o pálido
reflexo do que vou dizer: apesar de tão diferentes quanto às imagens, no
entanto têm algo em comum na sondagem de um lugar onde habitam os guias, os
indícios e os sinais.
Assim vejo a obra de Grassmann e assim quis transmitir
a ele a sorte de um instante.
2 comentários:
Jayro, que lindo texto.
A sorte de um instante se tornou eterna e chega até nós, que te lemos, também.
Oi, Lia: que lê, isso sei desde épocas não tão remotas assim, nos tempos da pintura na sorte do instante e de outros, quando vens à ILha e me deixas - sempre - um livro.
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