sábado, 15 de junho de 2013

ENTREVISTA JOYCIANA

Concedida por Vinícius Alves





Dizem que os escritores são bons leitores, ou, também, que deveriam ler mais do que escrever. Qual o último livro que você leu?

V. A. – acabei de ler Os laços. agora essa sua afirmação é duvidosa. isso vai depender muito do escritor em questão. há escritores que nem lendo uma vida inteira serão bons escritores, nem mesmo bons leitores, dependendo exatamente do que leem. às vezes um escritor, um mal escritor, não lê nem aquilo que escreve. e os ghost writers? ah, você não me perguntou quem é o autor de Os laços, então não disse.

Sim, não perguntei, mas Os laços acho, foi escrito por Cláudio Ascot se não me falha a memória. Você fez algumas anotações nas margens, sublinhou trechos?

V. A. – sim, Cláudio Ascot, sua memória não falhou. tenho esse péssimo hábito que alguns amigos abominam, mas geralmente não são anotações e sim cópias dos trechos sublinhados. ou pequenas ideias que me ocorrem. acho que é pra matar a vontade de ter escrito o ali escrito, mesmo em tradução. não sei escrever em outro idioma que não seja esse miserável idioma que é o nosso. outra vez você pergunta se sublinhei trechos (já disse que sim) mas não pergunta quais, então outra vez não digo.

Não, não vou perguntar sobre esses trechos transcritos, porém sobre um detalhe que o nome do autor me sugeriu, apesar de levar em conta o "matar a vontade de ter escrito o ali escrito". Ele, Cláudio, não terá claudicado para escrever o que escreveu?

V. A. – o ato ou o fato dele claudicar, ainda mais sendo o próprio cláudio, é deveras claudicante. mas a linguagem que não claudica não comunica. aliás, havia um comunicador dantanho que dizia mais ou menos isso, não é? quero dizer, a linguagem que não claudica se torna monótona, cansativa, enfadonha. uma boa claudicada é fundamental pra deixar a mente desperta e a linguagem esperta. claudiquemos, pois.

Bom, como falas sem claudicar sobre as claudicações de Cláudio, Os laços deve ser um bom livro, mas deixo os laços para outra hora porque desenlaces é o que pensei e de Joyce. Como foram as tuas leituras de Ulysses?

V. A. – as minhas leituras do ulysses não foram, ainda estão sendo, porque quando a  gente pega um livro bom pela frente, um livro enigmático, um livro instigador, a gente tá sempre voltando a ele. isso acontece com vários escritores, mas hoje principalmente com joyce, que, entre nós, é como o coentro: tem uns que o amam, outros o odeiam. com joyce acontece uma coisa engraçada: seus livros são uma continuação um do outro, então temos que pegar desde "música de câmara" e ir até o "finnícius revém". isso não acontece com mais nenhum escritor de forma tão clara, tão escancarada. então para ler joyce temos que estar armados até os dentes e nunca acharmos que a leitura de seus livros está completa. ele mesmo disse, quando terminou finnegans, que estava escrevendo um livro para ser entendido daqui a 300 anos. e não sou eu que vou contrariá-lo.

Essa de fazer cheirar o "coentro" gostei, que para tantos fede. Joycoentro de tantos centros que descentra tudo. Fiz essa pergunta motivado pelo seguinte: quando leio Ulysses tenho a sensação que estou andando e vejo duas linhas, uma em cada lado e que vão se afunilando até se encontrar. Até aí tudo bem, porque o bem melhor é que, ao mesmo tempo, também sinto duas linhas às minhas costas que fazem o mesmo e daí não sei mais aonde estou, se aqui ou em Dublin, se estou lendo Joyce ou se o que escreveu está me lendo. Mas vou deixar essa coisa pra lá, e perguntar o que já perguntei, porém em outra órbita. Dessas leituras infinitas de Ulysses, algumas coisas ficaram anotadas na mente?

V. A. – muitas, como ficaram muitas também de leituras de vários outros livros. o meu grande medo é esse, que o leitor atrapalhe o escritor, que as coisas anotadas na mente perturbem a mente na hora da mente mentir. mas o que me ficou mais guardado em "ulysses" e agora nas engatinhadas que dou no "finnegans" é a libertade total da linguagem. o ulysses é uma narrativa do dia, joycoentro te leva pelas ruas de dublin no dia 16 de junho, homenagem ao dia que conheceu sua nora barnacle (sobrenome que, em inglês, lembra algo como ferrugem ou pessoa indesejada, pessoa impertinente). a mesma coisa me ocorreu quando li pela primeira vez o "grande sertão: veredas". fiquei tão fascinado pela linguagem (até hoje fico) que a "história" em si pouco interessava. você fica completamente tonto de início, é como se o autor te hipnotizasse. você entra num transe (e na transa) que é a linguagem acontecendo ali na sua frente. disso não se pode escquecer.

Digo então, aproveitando a tua levantada de bola, que Ulysses é um sonho diurno e o finnegans um sonho noturno, e, os dois juntos, acabam com todas as indecisões dos demais escritores, menos alguns, é claro. E se, para que a mente não fique perturbada na hora de mentir, essas anotações mentais fossem marcadas com tinta, que tal?

V. A. – exatamente isso, em joyce a linguagem é a dos sonhos. talvez ulysses seja um sonho e finnegans um pesadelo: as palavras valise, o trovão de cem letras, a mistura de línguas e de culturas, enfim, a linguagem do mundo, tudo ao mesmo tempo agora. tinta não é muito a minha praia mas seria uma outra experiência, uma outra linguagem, uma outra viagem. quem sabe? o próprio joyce não era muito de pintura, dizia que de pintura não entendia nada, e às vezes foi criticado porisso. eu sou um experimentador diletante ou um diletantador experimante.

10 comentários:

Unknown disse...

obrigado, jayro e rômulo. bom (boom) bloomsday, amprex do vini

Anônimo disse...

Na verdade eu que agradeço a você pela valiosa colaboração para o blog. Abraço.

Unknown disse...

sempre às ordens, rômulo.

amprex do vini

Unknown disse...

na entrevista, aí encima, eu disse que o sobrenome de Nora, Barnacle, quer dizer ferrugem. Na verdade quer dizer "sarna" ou pessoa importuna.
era isso. amprex do vini

Anônimo disse...

vinícius, ferrugem e sarna podem bem dar sarnugem, e deu, claro, desfazendo essas duas coisas indesejáveis, principalmente a ferrugem mental que me parece não ter cura, já a sarna... é só...

Unknown disse...

matou a charada, anônimo. mas eu acho que sei quem é esse anônimo. ferrugem mental não há desengripante que dê jeito. já a sarnugem... é só... amprex

Jayro Schmidt disse...

é que eu sempre esqueço de não ser anônimo; acho que tá hora de encontrar o meu antônimo, quero dizer, meu pseudônimo.

Unknown disse...

eu tinha certeza desse anônimo parônimo antônimo psiudônimo. a linguagem não engana, esgana.

amprex do vini

Jayro Schmidt disse...

a linguagem não engana, mas começamos a falar e já começamos a mentir!

Daniel Ballester disse...

Viva o Peón!