Concedida por Vinícius Alves
Dizem
que os escritores são bons leitores, ou, também, que deveriam ler mais do que
escrever. Qual o último livro que você leu?
V. A. – acabei de ler Os
laços. agora essa sua afirmação é duvidosa. isso vai depender muito do
escritor em questão. há escritores que nem lendo uma vida inteira serão bons escritores,
nem mesmo bons leitores, dependendo exatamente do que leem. às vezes um
escritor, um mal escritor, não lê nem aquilo que escreve. e os ghost writers?
ah, você não me perguntou quem é o autor de Os laços, então não disse.
Sim, não perguntei, mas Os
laços acho, foi escrito por Cláudio Ascot se não me falha a memória. Você
fez algumas anotações nas margens, sublinhou trechos?
V. A. – sim, Cláudio Ascot,
sua memória não falhou. tenho esse péssimo hábito que alguns amigos abominam,
mas geralmente não são anotações e sim cópias dos trechos sublinhados. ou
pequenas ideias que me ocorrem. acho que é pra matar a vontade de ter escrito o
ali escrito, mesmo em tradução. não sei escrever em outro idioma que não seja
esse miserável idioma que é o nosso. outra vez você pergunta se sublinhei
trechos (já disse que sim) mas não pergunta quais, então outra vez não digo.
Não, não vou perguntar sobre
esses trechos transcritos, porém sobre um detalhe que o nome do autor me
sugeriu, apesar de levar em conta o "matar a vontade de ter escrito o ali
escrito". Ele, Cláudio, não terá claudicado para escrever o que escreveu?
V. A. – o ato ou o fato dele
claudicar, ainda mais sendo o próprio cláudio, é deveras claudicante. mas a
linguagem que não claudica não comunica. aliás, havia um comunicador dantanho
que dizia mais ou menos isso, não é? quero dizer, a linguagem que não claudica
se torna monótona, cansativa, enfadonha. uma boa claudicada é fundamental pra
deixar a mente desperta e a linguagem esperta. claudiquemos, pois.
Bom, como falas sem
claudicar sobre as claudicações de Cláudio, Os laços deve ser um bom
livro, mas deixo os laços para outra hora porque desenlaces é o que pensei e de
Joyce. Como foram as tuas leituras de Ulysses?
V. A. – as minhas leituras do
ulysses não foram, ainda estão sendo, porque quando a gente pega um livro
bom pela frente, um livro enigmático, um livro instigador, a gente tá sempre
voltando a ele. isso acontece com vários escritores, mas hoje principalmente
com joyce, que, entre nós, é como o coentro: tem uns que o amam, outros o
odeiam. com joyce acontece uma coisa engraçada: seus livros são uma continuação
um do outro, então temos que pegar desde "música de câmara" e ir até
o "finnícius revém". isso não acontece com mais nenhum escritor de
forma tão clara, tão escancarada. então para ler joyce temos que estar armados
até os dentes e nunca acharmos que a leitura de seus livros está completa. ele
mesmo disse, quando terminou finnegans, que estava escrevendo um livro para ser
entendido daqui a 300 anos. e não sou eu que vou contrariá-lo.
Essa de fazer cheirar o
"coentro" gostei, que para tantos fede. Joycoentro de tantos centros
que descentra tudo. Fiz essa pergunta motivado pelo seguinte: quando leio Ulysses
tenho a sensação que estou andando e vejo duas linhas, uma em cada lado e que
vão se afunilando até se encontrar. Até aí tudo bem, porque o bem melhor é que,
ao mesmo tempo, também sinto duas linhas às minhas costas que fazem o mesmo e
daí não sei mais aonde estou, se aqui ou em Dublin, se estou lendo Joyce ou se
o que escreveu está me lendo. Mas vou deixar essa coisa pra lá, e perguntar o
que já perguntei, porém em outra órbita. Dessas leituras infinitas de Ulysses,
algumas coisas ficaram anotadas na mente?
V. A. – muitas, como ficaram
muitas também de leituras de vários outros livros. o meu grande medo é esse,
que o leitor atrapalhe o escritor, que as coisas anotadas na mente perturbem a
mente na hora da mente mentir. mas o que me ficou mais guardado em
"ulysses" e agora nas engatinhadas que dou no "finnegans" é
a libertade total da linguagem. o ulysses é uma narrativa do dia, joycoentro te
leva pelas ruas de dublin no dia 16 de junho, homenagem ao dia que conheceu sua
nora barnacle (sobrenome que, em inglês, lembra algo como ferrugem ou pessoa
indesejada, pessoa impertinente). a mesma coisa me ocorreu quando li pela
primeira vez o "grande sertão: veredas". fiquei tão fascinado pela linguagem
(até hoje fico) que a "história" em si pouco interessava. você fica
completamente tonto de início, é como se o autor te hipnotizasse. você entra
num transe (e na transa) que é a linguagem acontecendo ali na sua frente. disso
não se pode escquecer.
Digo então, aproveitando a
tua levantada de bola, que Ulysses é um sonho diurno e o finnegans
um sonho noturno, e, os dois juntos, acabam com todas as indecisões dos demais
escritores, menos alguns, é claro. E se, para que a mente não fique perturbada
na hora de mentir, essas anotações mentais fossem marcadas com tinta, que
tal?
V. A. – exatamente isso, em
joyce a linguagem é a dos sonhos. talvez ulysses seja um sonho e finnegans um
pesadelo: as palavras valise, o trovão de cem letras, a mistura de línguas e de
culturas, enfim, a linguagem do mundo, tudo ao mesmo tempo agora. tinta não é
muito a minha praia mas seria uma outra experiência, uma outra linguagem, uma
outra viagem. quem sabe? o próprio joyce não era muito de pintura, dizia que de
pintura não entendia nada, e às vezes foi criticado porisso. eu sou um
experimentador diletante ou um diletantador experimante.
10 comentários:
obrigado, jayro e rômulo. bom (boom) bloomsday, amprex do vini
Na verdade eu que agradeço a você pela valiosa colaboração para o blog. Abraço.
sempre às ordens, rômulo.
amprex do vini
na entrevista, aí encima, eu disse que o sobrenome de Nora, Barnacle, quer dizer ferrugem. Na verdade quer dizer "sarna" ou pessoa importuna.
era isso. amprex do vini
vinícius, ferrugem e sarna podem bem dar sarnugem, e deu, claro, desfazendo essas duas coisas indesejáveis, principalmente a ferrugem mental que me parece não ter cura, já a sarna... é só...
matou a charada, anônimo. mas eu acho que sei quem é esse anônimo. ferrugem mental não há desengripante que dê jeito. já a sarnugem... é só... amprex
é que eu sempre esqueço de não ser anônimo; acho que tá hora de encontrar o meu antônimo, quero dizer, meu pseudônimo.
eu tinha certeza desse anônimo parônimo antônimo psiudônimo. a linguagem não engana, esgana.
amprex do vini
a linguagem não engana, mas começamos a falar e já começamos a mentir!
Viva o Peón!
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