sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Diário filmado

por Jayro Schmidt



O escritor catarinense Renato Tapado, que vive em Buenos Aires, é dado a viagens e diários, que são inseparáveis, mesmo quando a viagem é mental como foi o caso de Mulher Azul, livro reeditado e lançado em Florianópolis no início de agosto.
O diário é feminino, traduzido para o espanhol pelo próprio autor, e assim pode-se saborear na outra língua sons que nos enviam ao que já sabemos, porém renovados, sob outra ótica, e numa especial com o filme realizado por Maria Emília de Azevedo, que foi projetado no início do lançamento, no Centro Cultural Badesc.
Filmar um diário é sempre um desafio maior, pois se trata de solilóquio. Mas, por si mesma, a imagem diz essa dimensão mais sutil, interna, na superfície de sua pele. É o que se vê no filme, com roteiro, de Marcelo Esteves, que pontua o teor do diário e filmado com os mesmos recursos: enquanto a personagem escreve, a atriz Patrícia Teotônio, as imagens se estendem no hipocampo do espectador, antes passando pelo campo periférico das retinas, onde começa a surgir luminosidade na escuridão.

 Patrícia Teotônio – atriz de Diário filmado
 Patrícia Teotônio – atriz


A estatura física da mulher do diário é tão acentuada quanto a sua força mental, mas ela oscila, quase soçobra na distância entre o que deseja e sua realização. Nesse aspecto a diretora e o roteirista foram completos na encenação do livro de Renato Tapado, que ao se deixar levar para onde as palavras surgem, vai a contrapelo da literatura.
Roteiro e direção fizeram o mesmo e ainda mais com a região escolhida e as locações de um filme sem pressa e velado, mas intenso como deve ser o cine-poema, essa raridade na cinematografia brasileira. E isso Maria Emília vem perseguindo desde seu primeiro filme, tendo o auge em Roda dos expostos, e, agora, outro momento álgido com Mulher azul.
O cinema poemático, como se sabe, tem na imagem a sua principal ferramenta que, no caso do filme de Maria Emília, fez a câmera deslizar sobre as coisas com a mesma curiosidade com que se experimenta o lugar quase inominável entre o visível e o invisível. Justamente o lugar da mulher sempre azul, no limiar e na fronteira.
Apesar da total presença da personagem, no entanto não está dissociada do ambiente, da circunstância, daí a estética afetiva de Maria Emília ao filmar as linhas sensíveis entre o sujeito e seu objeto, e, o melhor, sua percepção semiótica. Quando predominou a semiótica, em várias passagens, o filme cresceu como poema ou como fotograma versejado, ora aproximando-se da narração ora afastando-se, pois o filme teve que lidar com mundos paralelos, mas não necessariamente antagônicos.
Outras leituras podem ser feitas de Mulher azul, sem, contudo, se poder deixar à margem a intermediação do estético com o semiótico.



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