O escritor catarinense Renato Tapado, que vive em
Buenos Aires, é dado a viagens e diários, que são inseparáveis, mesmo quando a
viagem é mental como foi o caso de Mulher
Azul, livro reeditado e lançado em Florianópolis no início de agosto.
O diário é feminino, traduzido para o espanhol pelo
próprio autor, e assim pode-se saborear na outra língua sons que nos enviam ao
que já sabemos, porém renovados, sob outra ótica, e numa especial com o filme
realizado por Maria Emília de Azevedo, que foi projetado no início do
lançamento, no Centro Cultural Badesc.
Filmar um diário é sempre um desafio maior, pois se
trata de solilóquio. Mas, por si mesma, a imagem diz essa dimensão mais sutil,
interna, na superfície de sua pele. É o que se vê no filme, com roteiro, de
Marcelo Esteves, que pontua o teor do diário e filmado com os mesmos recursos:
enquanto a personagem escreve, a atriz Patrícia Teotônio, as imagens se
estendem no hipocampo do espectador, antes passando pelo campo periférico das
retinas, onde começa a surgir luminosidade na escuridão.
Patrícia Teotônio – atriz
A estatura física da mulher do diário é tão acentuada
quanto a sua força mental, mas ela oscila, quase soçobra na distância entre o
que deseja e sua realização. Nesse aspecto a diretora e o roteirista foram completos
na encenação do livro de Renato Tapado, que ao se deixar levar para onde as
palavras surgem, vai a contrapelo da literatura.
Roteiro e direção fizeram o mesmo e ainda mais com a
região escolhida e as locações de um filme sem pressa e velado, mas intenso
como deve ser o cine-poema, essa raridade na cinematografia brasileira. E isso
Maria Emília vem perseguindo desde seu primeiro filme, tendo o auge em Roda dos expostos, e, agora, outro
momento álgido com Mulher azul.
O cinema poemático, como se sabe, tem na imagem a sua
principal ferramenta que, no caso do filme de Maria Emília, fez a câmera
deslizar sobre as coisas com a mesma curiosidade com que se experimenta o lugar
quase inominável entre o visível e o invisível. Justamente o lugar da mulher
sempre azul, no limiar e na fronteira.
Apesar da total presença da personagem, no entanto não
está dissociada do ambiente, da circunstância, daí a estética afetiva de Maria
Emília ao filmar as linhas sensíveis entre o sujeito e seu objeto, e, o melhor,
sua percepção semiótica. Quando predominou a semiótica, em várias passagens, o
filme cresceu como poema ou como fotograma versejado, ora aproximando-se da
narração ora afastando-se, pois o filme teve que lidar com mundos paralelos,
mas não necessariamente antagônicos.
Outras leituras podem ser feitas de Mulher azul, sem, contudo, se poder
deixar à margem a intermediação do estético com o semiótico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário