Os saltimbancos – Pablo Picasso*
Elegias de Duino, a quinta
dedicada a Sra. Hertha Koenig
Mas
quem são eles, dizei-me, os saltimbancos,
estes um pouco
mais
efêmeros que nós mesmos, que com urgência, desde cedo
são
acossados por um alguém
na
insaciável vontade de agradar? Todavia ela os pressiona,
os
arremessa e os captura de volta para si; como que do ar untado
e
mais constante, eles descem
de
seu eterno salto ao consumido
e
mais fino tapete, esse tapete
extraviado
no universo.
Estendido
como uma atadura, como se os recantos
dos
céus tivessem à terra aí lhe infligido dores.
E
apenas aí,
eretos,
neste local e desabrigado: a grande
letra
capitular do ali se postar..., e logo também, os homens mais fortes
novamente
giram e se voltam para um gracejo, o sempre
recorrente
agarrar, como Augusto o Forte à mesa
com
um prato de estanho.
Ah,
e em torno deste
centro,
a rosa do contemplar:
floresce
e se desnuda. Em torno deste
pilão,
o pistilo,
tocado
pelo próprio desenvolto pólen para o simulado fruto,
mesmo
sem vontade fecundado,
nunca
em si – radiante com delicada
aparência,
um leve desânimo fingindo um sorriso.
Ali:
o surrado, enrugado levantador de peso,
o
ancião a quem só lhe resta agora tocar o tambor,
encolhido
em sua formidável pele, como se esta outrora
retesse
dois homens, um
que
agora jaz no cemitério da igreja e ele que ao outro sobrevivera,
alheio
e por vezes levemente
confuso,
no interior da enlutada pele.
Mas
o jovem, o varão, como se fosse ele o filho de uma nuca
e
uma freira: cheio e firme, preenchido
com
músculos e ingenuidade.
Oh,
vós,
que
fostes uma dor ainda pequena,
outrora
recebida como brinquedo, em uma de suas
longas
convalescenças...
Tu,
que com o impacto,
como
só os frutos sabem, imaturos,
que
caem todos os dias centenas de vezes da árvore,
do
movimento de seu todo formado (que, mais rápida que a água,
tem
em pouco tempo a primavera, o verão e o outono) –
bates
de encontro à sepultura:
de
vez em quando, em meia pausa, uma amorosa
face
quer surgir no alto inclinada à tua raramente
carinhosa
mãe; mas em teu corpo,
que
abrangente se consome, ela se perde,
aquele
quase esmiuçado rosto... e outra vez
o
homem bate as mãos para o salto, e antes que te
cause
um certo aperto nas imediações do sempre
pulsante
coração, lhe vem o flamejante calor da sola dos pés,
sua
origem, antes com algumas lágrimas pesadas,
logo
forçadas nos olhos.
E
mesmo assim, às cegas,
o
sorriso...
Anjo!
Oh, pega-a, arranca-a, a erva curativa de pequena flor.
Molde
um vaso, guarde-a! Coloque-a sob aquelas alegrias ainda não
abertas
para nós; em suave urna
exalte-a
com floral e sinuosa inscrição: Subrisio
Saltat.
Então
tu, graciosa,
tu,
pelos mais encantadores prazeres
foste
silenciosamente relegada. Talvez sejam
tuas
franjas para ti afortunadas –
ou
sobre os fartos seios juvenis
a
verde fibra de seda metálica
se
sinta eternamente mimada e de nada careça.
Tu,
fruta do mercado da serenidade, posta sempre de outra maneira
sobre
todas as balanças, publicamente tremulando equilibrada
sob
os ombros.
Onde,
oh onde está o lugar – eu carrego no
coração –
onde
eles há tempo o gozo não conseguiram,
nem um do outro
se
soltar, como animais incompatíveis
sendo
um pelo outro coberto;
onde
os pesos são ainda opressivos;
onde
ainda sobre seus inúteis
bastões
giratórios os pratos
vacilam...
E
de repente, nesse desgastante Lugar Nenhum, de repente
o
indizível local onde o puro exíguo
inconcebível
transforma-se – salta em torno
daquele
vazio excesso.
Onde
a conta de muitos sinais
se
resolve sem números.
Praças,
oh a praça em Paris, eterna ribalta,
onde
a modista, Madame Lamort,
os
inquietos caminhos da terra, infindos fios,
enrola
e enrosca e deles
inventa
laços, adereços, flores, penachos, frutos artificiais – tudo
em
espúria coloração – para os baratos
chapéis
de inverno do destino.
Anjos!:
seria um lugar que não conhecemos, e lá então,
sobre
indizível tapete, mostram aos amantes, estes que
nunca
conseguem chegar ao gozo, suas audazes
e
altivas figuras do impulso do coração,
suas
torres feitas de desejo, suas
escadas
apenas curvadas uma à outra, trêmulas,
onde
durante muito tempo o chão jamais esteve – e conseguem
diante
da plateia em volta, os inumeráveis silenciosos mortos:
lançam
eles então suas derradeiras, sempre redimidas,
sempre
latentes, por nós desconhecidas, eternas,
legítimas
moedas do enlevo, diante do finalmente
e
verdadeiramente risonho casal,
sobre
o saciado tapete?
Tradução de Luiz Carlos Mesquita e Jayro Schmidt
* Na temporada em Paris, Rainer Maria Rilke teve a oportunidade de ver “Os saltimbancos”, pintura de Picasso que inspirou a quinta elegia.
2 comentários:
Anjo! erva curativa de pequena flor!
o semelhante cura o semelhante e os animais por conta própria.
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