Franz Kafka, em A
metamorfose, no primeiro parágrafo foi direto ao ponto. Gregor Samsa acorda
de um “sono intranquilo” e se vê transformado em um “inseto monstruoso”.
Apesar de não mencionar o nome do inseto, mas com
alguns detalhes, logo se percebe que se trata de uma barata.
E Gregor se pergunta sobre o que aconteceu, enquanto o
narrador diz que não foi um sonho.
Kafka, em algumas cartas a Felice Bauer, várias vezes
se referiu ao seu estranho ânimo ao acordar, e, em O processo, escreveu: “O instante do despertar é o instante mais
perigoso do dia”.
Quem pretende fazer ilustrações de Kafka talvez seja
contagiado por essa sensação de ameaça, própria da expectativa ansiosa, e
querendo descrever e interpretar o motivo de tanta inquietude e de vertigem.
E como a transformação de Gregor é imediatamente posta
sem que tenha sido um sonho, no entanto são as imagens do pesadelo que chegam à
mente do leitor que, se for um desenhista, vai querer transmitir com o próprio
inseto, a barata, como o fez Roberto Terra Costa.
Transmissão tão sutil como a de Kafka foi o que ele
desenhou, na ponta do pincel a carapaça, a monstruosidade viscosa, insinuada,
Gregor metamorfoseado, as antenas perscrutando o quarto que Kafka situa como
“humano”, isto é, quarto de criança, o animal recém-chegado e preparando-se
para se adaptar aos demais, antenas esgueirando-se à janela, a aldeia nela
submersa, o animal tão próximo do humano, a única forma de Gregor para
continuar vivendo, a da barata que ainda se lembra de seus dias humanos.
E assim Gregor vive e sobrevive nessa trilogia
pressentida por Roberto Terra Costa, contrariando o que Bachelard disse do
tempo de Kafka, um tempo que morre. (J.S.)
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